Folha de S. Paulo


Em país de cães de sofá, brasileira fica entre melhores condutores de agility

Rodrigo Fortes

Para eles não existem cães de colo ou de sofá. Ter um cão implica, necessariamente, adestrá-lo, passear, brincar e se exercitar com ele

Foi assim que a médica veterinária Marcela Françoso, 29 anos, chegou ao agility. Ela buscava uma forma de aumentar sua proximidade e interação com a vira-lata Nina.

Dez anos e dois cães depois, Marcela é hoje a sétima melhor condutora do mundo na categoria médio porte (cães com cernelha entre 34,9 e 42,9 cm). O posto foi conquistado em Liberec, na República Checa, no final de semana passado. Ela venceu 72 duplas do mundo inteiro ao lado de Finwe, 4 anos, um pastor do Pirineus, estreante em mundiais.

O agility é um esporte praticado em duplas: um cão e um condutor. Inspirado no hipismo, ele impõe aos competidores o desafio de vencer uma pista de obstáculos sem cometer infrações e no menor tempo possível. O cão deve seguir os comandos do condutor e passar por túneis, gangorras, passarelas, rampas e barras para salto. É uma prova de habilidade na qual a velocidade é um critério também decisivo.

Neste ano, o Brasil levou 12 cães ao mundial para disputar as três categorias (pequeno, médio e grande porte), nas modalidades equipe e individual (só há nove vagas por país no individual).

O resultado de Marcela é um dos melhores da história do esporte no país. Em 2015, tivemos um terceiro lugar no individual/pequenos (cernelha até 34,9 cm), na Itália.

Por time, já fomos mais longe. Mas faz tempo. Vencemos na Finlândia, em 2008. Agora, nossa melhor equipe ficou em décimo.

A irregularidade dos resultados revela uma das principais dificuldades do esporte no país: o agility esbarra exatamente na nossa cultura de cães de sofá.

"As pessoas no Brasil não têm o hábito de adestrar o cão, fazer um esporte, uma atividade com ele. Muitas famílias pegam o filhote e só pensam em adestrá-lo quando ele dá algum problema", diz Marcela.

"No exterior, a mentalidade é diferente: as pessoas já compram ou adotam o cão pensando no que podem fazer junto com ele. Os filhotes vão direto para as puppy classes [aulas de obediência básica]. Aqui, muitos animais não atendem nem ao chamado dos donos, não têm esse vínculo com os responsáveis. É o país das creches e dos passeadores, porque as pessoas não querem nem se dar o trabalho se sair com seus cães. É muito difícil pensar que esse tipo de responsável vai se interessar pelo agility, o que reduz nossa oferta de novos talentos", completa.

Na contramão do vínculo sedentário que estamos estabelecendo com nossos cães, o agility não consegue arrebanhar muitos adeptos no Brasil. O número de competidores se mantém estável há décadas. São menos de 500 cães registrados para competir, contra mais de dez mil em alguns países europeus, que lideram os rankings mundiais.

Marcela treina duas vezes por semana, não mais do que 30 minutos por vez, para respeitar os limites de Finwe, que recebe comandos básicos desde os oito meses de idade e foi para a pista aos 18 meses.

Não ganha um tostão com o agility (ao contrário, gasta). Mas não parece se arrepender. Graças à pratica, Marcela diz ter dedicado aos seus cães muito mais atenção do que o faria sem o esporte.

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E Nina? Nina morreu há três meses, aos 11 anos, sem deixar em Marcela o peso de que poderia ter dedicado mais tempo a ela. É um conforto que o agility nos traz.


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