Folha de S. Paulo


O Brasil vai conhecer o Brasil

A lua surge cheia, uma grande bola branca no céu nublado de São Paulo. Tensão. Véspera do que era para ser um dos grandes momentos do Brasil e virou outra coisa.

O país alegre recebe o mundo de cara amarrada, com a faca nos dentes.

A Copa era para acertar as contas do passado (a derrota no Mundial de 1950) e as contas do futuro (projetar o Brasil potência). Virou o acerto de contas do tenso e barulhento presente.

Estamos, pelo menos em São Paulo, preocupados com as greves, os protestos, a desaceleração econômica, a corrupção política, a violência urbana. Quem quer saber dos croatas?

A torcida brasileira começa envergonhada, quando deveríamos estar sambando nas ruas com os gringos. Na pátria de chuteiras, a seleção sempre foi o grande puxador do patriotismo nacional. Jogo de Copa é nosso 4 de Julho.

Mas onde estão as bandeiras, as buzinas (ufa!), as decorações festivas e patrióticas? ATV exibe preparativos para o jogo de abertura, com enormes telões na praça central prontos para a festa. Em Zagreb, capital da Croácia. Com croatas sorridentes bebendo cervejinha e falando de futebol.

Aqui, tristeza. E tensão. À espera de um gol redentor.

Só resta uma esperança. Como tudo mais ficou aquém do padrão FIFA, vamos ter de jogar bola padrão Brasil para nos impormos ao resto do mundo. É o único final feliz para quase todos os envolvidos. E uma responsabilidade não programada que os jogadores têm de carregar e que pode transformar a brazuca em bola de chumbo.

Dilma convocou cadeia de rádio e TV para defender a Copa no Brasil, uma necessidade que expõe o fracasso da preparação. Pediu paz em tom de guerra. Não acalmou ninguém.

E enquanto Dilma tenta politizar a Copa, colocando seus críticos como oponentes do Brasil e não dos erros da preparação, Felipão tenta despolitizá-la, pelo bem do time. "Gostaria de agradecer em nome da comissão técnica à presidente Dilma, que nos enviou uma mensagem, ao senador Aécio Neves, que nos ligou, aos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso. Chegou a hora! E vamos todos juntos, é o nosso Mundial", disse o técnico.

O Brasil, o país do Carnaval, chega à Copa sem saber o que ou como celebrar. A festa talvez não seja na rua. Talvez a rua seja da porrada. E qual imagem é melhor para o Brasil? A visão "historiotipada" de gente alegre e sensual ou a de brasileiros inflamados e inconformados com o estado da nação?

A Copa de qualquer maneira será o maior evento da Terra por alguns dias e um dos maiores eventos do Brasil neste começo de século. Coisas importantes vão acontecer. Quando você se expõe aos outros, descobre muito de si mesmo.

Ainda bem que vai ter Copa. O mundo vai conhecer melhor o Brasil. O Brasil vai conhecer melhor o Brasil.


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