Uma das mulheres está apenas de calcinha e sutiã, as roupas rasgadas provavelmente pela tentativa mal-sucedida de ressuscitação dos paramédicos. O corpo de outra pessoa abre um espacate antinatural, como uma boneca com as pernas quebradas. Ouvem-se vozes desesperadas pedindo ajuda.
Há pedaços de corpos e sangue.
Gravado por uma testemunha minutos depois do ataque terrorista de Nice, na França, o vídeo tem 55 segundos, revira o estômago e revolta.
Mostra o rastro da carnificina deixado pelo tunisiano Mouhamed Bouhel e seu caminhão frigorífico, que mataram 84 pessoas -entre as quais 10 crianças, uma delas uma menininha brasileira de seis anos- e deixaram dezenas entre a vida e a morte.
Em momentos assim, em que a notícia se impõe, mas as cenas chocam demais, o comando da Redação da Folha costuma se reunir para decidir se exibe ou não o conteúdo aos seus leitores. A ideia desses encontros é aprimorar políticas editoriais.
No caso em questão, a opção foi colocar o vídeo no ar, com um aviso de que trazia imagens agressivas.
Diferentemente da foto impressa na Primeira Página ou estampada nas páginas iniciais das versões digitais, à qual o leitor é submetido passivamente, o vídeo exige que ele aja voluntariamente, ao clicar no "play", daí o aviso.
Pareceu importante mostrar os efeitos de mais um ato de, "sem dúvida, um terrorista ligado ao islamismo radical", na definição do primeiro-ministro francês, Manuel Valls.
Ações como a do tunisiano vão solapando o relativismo reinante desde o fim da Segunda Guerra, talvez a última vez em que o mundo conseguiu identificar com clareza o certo e o errado e decidir de que lado estava.
O vídeo de 55 segundos não será o último. "Lobos solitários" que miram "soft targets" (alvos vulneráveis) como os da quinta-feira em Nice infelizmente devem se tornar cada vez mais comuns. É importante que continuem causando choque e repulsa.