Folha de S. Paulo


50 tons de preto

SÃO PAULO - "Mãe, não tem que dar dinheiro pro negão aquele?"

A mãe em questão faz parte de uma família de brasileiros brancos hospedada no mesmo hotel em que eu estava, em Nova York, na semana passada. O casal e duas filhas adolescentes, uma das quais disse a frase, apanharam um táxi chamado pelo porteiro.

Eram presumivelmente do Sul do país, pelo sotaque com que falavam.

O "negão" eu tinha conhecido na madrugada anterior, conversando nos corredores e no elevador enquanto ele me ajudava a encontrar um quarto mais silencioso. É de Gana, veio para os EUA 30 anos atrás, faz turnos de 16 horas, está cansado. "Há 30 anos, se você me falasse que eu não deveria me mudar para a América, brigaria com você. Hoje, só penso em voltar para casa", diz.

Cinco anos depois da eleição de Barack Obama, os EUA não estão tão "pós-raciais" quanto se esperava. Segundo pesquisa divulgada, na quinta-feira, pelo Pew Research Center, 36% da população norte-americana ainda vê "conflitos fortes ou muito fortes" entre brancos e negros, ante 39% em 2009, ano da posse.

A divisão se nota na polêmica tensa e recente em torno da palavra "nigger", termo em inglês com conotação racista para "negro" ou "preto", que pontua os diálogos do último filme de Quentin Tarantino, "Django Livre", que estreia no Brasil na sexta.

Seu uso por atores brancos, dirigidos por um branco, ainda que numa obra de ficção, foi considerado inadequado pelo movimento negro local. Tarantino se defendeu dizendo que no Estado do Mississippi pré-Guerra Civil, em meados do seculo 19, onde se passa boa parte da trama, a palavra era falada com ainda mais naturalidade.

No Brasil, somos igualitários em público e racistas no privado --a família acima não sabia que um patrício a observava. Discutir o assunto abertamente, como os americanos, nos faria bem.


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