Folha de S. Paulo


Nem com dados viciados

RIO DE JANEIRO - Um lance de dados jamais abolirá o acaso, dizia o poeta francês Stéphane Mallarmé. É infalível: o acaso vive se metendo quando menos se espera e alterando o curso da história.

O primário romance beatnik de Jack Kerouac, "On the Road", por exemplo, não faria o sucesso que fez em 1957 se Orville Prescott, crítico de livros do "New York Times", não estivesse de férias quando ele foi lançado. Prescott era um crítico à antiga: só gostava de escritores que sabiam escrever, e teria destroçado "On the Road". Mas seu substituto, Gilbert Millstein, era jovem e "rebelde". Comparou Kerouac a Hemingway. A imprensa o seguiu e Kerouac estava feito.

A Nouvelle Vague, movimento que tomou o cinema francês em fins dos anos 50, também se fez com uma coincidência. Seus primeiros diretores – Louis Malle, Claude Chabrol, François Truffaut, Jean-Luc Godard – estavam começando a trabalhar quando surgiram as câmeras mais leves e um novo filme da Kodak, o Tri-X, que permitiam filmar na rua ou dentro de automóveis, como eles gostavam, e com qualquer luz. Malle confessou: "Somos filhos do Tri-X".

O que teria sido dos Beatles se, em fins de 1963, o macróbio apresentador da TV americana Ed Sullivan não estivesse no aeroporto de Londres e presenciado a histeria provocada por um grupo desconhecido que chegava, formado por rapazes de cabelo comprido? Sullivan convidou-os ao seu programa em Nova York – talvez como uma resposta aos garotos americanos que usavam aqueles chapéus Davy Crockett, de rabo de guaxinim – e o resto, você sabe.

E quem diria que a investigação de uma rede de postos de gasolina e lava a jato de automóveis em Brasília destamparia a existência de um esquema de desvio de bilhões da Petrobras, envolvendo o governo, o PT e as maiores empresas do país? Não se brinca com o acaso.


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