Folha de S. Paulo


Combinar com o mar

RIO DE JANEIRO - Em janeiro, na véspera da inauguração pela prefeitura do trecho de São Conrado da ciclovia Tim Maia, eu e Heloisa Seixas percorremos a pé os seus quase quatro quilômetros de extensão, do Hotel Leblon ao Hotel Nacional. Os últimos guarda-corpos estavam sendo instalados e a sinalização, aplicada na pista. Mas já era possível passear por ela e admirar a vista que se abria de repente para cariocas e turistas: o espetacular embate entre o Atlântico e o costão da avenida Niemeyer. Nossa meta era chegar ao ponto da ciclovia sobre a velha Gruta da Imprensa.

Desde sua inauguração, em 1922, a gruta, com sua entrada guarnecida por arcos de granito, já fora de tudo na vida. Dependendo do dia da semana e da hora, podia ser um cenário de sonho para fazer piquenique, tirar fotografia ou namorar. Apesar de seu difícil acesso – reservado quase apenas aos motorizados –, era impensável vir ao Rio e não visitá-la. E assim foi até pelo menos os anos 50. Mas as cidades são dinâmicas e cruéis. Aos poucos fora de moda, esquecida e abandonada pelo poder público, a gruta foi deixada aos pescadores e aos drogados.

Com a ciclovia, ela ficava, de repente, ao alcance de pedestres e ciclistas, e havia planos para reintegrá-la ao circuito turístico do Rio. Mas, nesta quinta-feira (21), algo saiu tragicamente errado – e não por falta de previsão.

Um jovem com quem conversamos durante o passeio apresentou-se como um dos engenheiros da ciclovia – não lhe guardamos o nome – e comentou que, por ser a gruta tombada pelo Patrimônio Histórico e vedada a modificações, tinham sido necessários cálculos diferentes para assentar as colunas e vigas que sustentariam a pista no trecho sobre ela.

Ou seja, o risco era conhecido e temido. Faltou, talvez, negociar melhor com o Patrimônio, fazer os cálculos direito e combinar com o mar.


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