Folha de S. Paulo


Noite no Beco

RIO DE JANEIRO - Sábado último (26), João Donato subiu ao palquinho do Bottles Bar, no Beco das Garrafas, em Copacabana, sentou-se ao teclado e começou a tocar "Minha Saudade", dele e de João Gilberto. Em segundos, todos os relógios giraram ao contrário e voltaram a 1953. Donato emendou com "Invitation", de Bronislau Kaper, e continuou com "Paradise Found", do trompetista Shorty Rogers, o craque da Costa Oeste. E assim foi.

Durante uma hora e meia, Donato proporcionou à plateia que entupia o recinto uma ideia do que acontecia nas altas madrugadas dos anos 50, quando os músicos cariocas, fora do trabalho nas boates, reuniam-se nos piano-bares para tocar jazz e improvisar. Eles eram pianistas, como Dick Farney, Johnny Alf e Moacyr Peixoto; saxofonistas, como Cipó, Zé Bodega e Paulo Moura; trombonistas, como Astor, Norato e Maciel; os violonistas Garoto e Bola Sete, o violinista Fafá Lemos, e muitos mais. Donato tocava então acordeom, e seu ídolo no instrumento era o americano Ernie Felice.

Um desses piano-bares era o do hotel Plaza, ali perto, mas as boates do Beco das Garrafas também se prestavam. O Beco teve o seu apogeu nos anos 50, como reduto do samba-canção, e, nos 60, da bossa nova e do samba-jazz. Depois, passou por décadas de sórdido abandono e só há pouco renasceu.

Começou em 2006, quando Leila Martins abriu, na esquina com a rua Duvivier, sua magnífica livraria e loja de discos Bossa Nova & Companhia, que está lá até hoje. E consolidou-se, quando Amanda Bravo realizou o sonho de muita gente: reabrir os históricos Bottles e Little Club, no mesmo espaço em que eles funcionavam, e injetar-lhes grande música.

O ponto alto da noite foi Donato tocando, pela primeira vez, a bela "Quando Me Vem à Lembrança" –sua única parceria com Tom Jobim, jamais gravada.


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