Folha de S. Paulo


Precisamos de mais calma ao interpretar nossos filhos

Daniel Marenco-1°.dez.2010/Folhapress
Crianças se divertem jogando bola em laje de barraco no alto do morro Santa Teresa, em Porto Alegre (RS)
Crianças se divertem jogando bola em laje de barraco no morro Santa Teresa, em Porto Alegre (RS)

Ninguém falou que ter filhos seria fácil, e, na atualidade, as dificuldades crescem dia a dia. Os pais estão submetidos a tantas pressões, demandas e valores sociais, que a lida com os filhos tem se tornado, para muitos, tarefa das mais angustiantes.

O estilo desvairado de vida que adotamos rouba muito de nosso tempo e faz com que mães e pais tenham cada vez menos paciência com crianças e adolescentes. E quem tem filhos sabe que paciência é uma das qualidades mais exigidas no convívio com os mais novos.

Muitos adolescentes e crianças têm ganhado pequenas batalhas que travam com os pais, boa parte delas a contragosto destes, por um único motivo: falta de paciência. "Quantas vezes terei de repetir a mesma coisa a meu filho?" Essa é uma pergunta de pais que ouço com muita frequência. Sempre dou a mesma resposta: por mais ou menos 18 ou 20 anos.

À falta de paciência para aguardar o desenrolar do desenvolvimento dos filhos, que não costuma ocorrer de modo linear, alia-se uma característica de nosso tempo, chamada de medicalização da vida, para complicar mais o trabalho dos pais.

Medicalizar a vida significa transformar questões que não são médicas em doenças ou suspeitas da presença delas. Darei alguns exemplos.

A mãe de uma garota prestes a completar cinco anos observou pequenos machucados na filha. Foi conversar com a professora da menina e ouviu que os arranhões e marcas de batidas tinham sido resultado de brincadeiras e interação da criança com a natureza. Vamos lembrar que, nessa idade, a criança ainda não tem total controle sobre seu corpo. Mas essa mãe não ficou satisfeita com a resposta e procurou um psiquiatra, por acreditar que a filha estava tentando praticar automutilação!

Os pais de um adolescente, que prefere ficar em casa lendo ao invés de sair, que não é muito procurado pelos colegas, que acha uma bobagem participar de redes sociais –sim, eles existem!– e que é tímido, passaram a achar que o filho tem características autistas.

Um último exemplo ilustrativo dessa questão: uma adolescente de 15 anos teve o primeiro namoro, que durou quase um ano, rompido. O ex-namorado disse a ela que queria curtir mais a vida e que o compromisso com ela o impedia. Uma semana de muito choro da garota e isolamento no quarto foi o suficiente para a mãe acreditar que a filha estava "profundamente" deprimida e que poderia tentar o suicídio. Perder um amor é sofrido, doloroso, mas faz parte da vida.

Precisamos ir com mais calma na interpretação dos comportamentos de nossos filhos. Muitas vezes, um cachimbo é apenas um cachimbo, como me lembrou uma amiga.

Para isso os pais precisam, primeiramente, ter paciência para observar melhor o filho durante um bom período. Devem, também, entender o contexto daquele momento da vida dele para identificar motivos para seu comportamento atual.

E sempre ajuda lembrar que todos nós temos nossas particularidades, nossas características pessoais frente à vida. Os mais novos ainda estão desenvolvendo isso, adaptando-se às reações que apresentam frente aos problemas que enfrentam. E para que possam se sentir apoiados pelos pais, estes precisam ser capazes de lhes transmitir segurança e afeto. Nada mais...


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