Folha de S. Paulo


Quem liga para o Tietê?

Divulgação/Prefeitura de Salto
Espuma formada pela poluição do rio Tietê invade ruas da cidade de Salto
Espuma formada pela poluição do rio Tietê invade ruas da cidade de Salto

"Bem-vindo a São Paulo: Viva tudo isso!" Com esses dizeres, inscritos numa imensa placa, são recebidos os motoristas que chegam à cidade pela marginal Tietê.

As palavras do anfitrião soam como ironia. Ampliada na gestão tucana de José Serra (2006-2010), a via recauchutada não dialoga com o tom festivo das boas-vindas.

Além disso, respira-se ali um fedor de revirar o estômago, causar ânsia de vômito e fazer lacrimejar os olhos.

Assim como acontece com o Pinheiros, o rio Tietê transforma-se numa enorme vala de esgoto, cercada por asfalto e automóveis dos dois lados, ao cruzar a metrópole.

É de causar espanto -e até vergonha- a negligência diante do seu principal rio.

A elite paulistana adora divagar sobre a beleza de rios como o Sena, em Paris, e o Tâmisa, em Londres. Ambos agradavelmente navegáveis e repletos de atrações turísticas em suas margens.

Biologicamente morto, o rio londrino, maior que o Pinheiros, era conhecido no século 19 como "o grande mau cheiro", mas, em 50 anos, a cidade conseguiu limpá-lo.

O Sena irá passar por mais um processo de despoluição com o propósito de deixar suas águas propícias para banho até a Olimpíada de 2024.

Em uma de suas andanças, o prefeito João Doria (PSDB) caminhou às margens do rio Cheonggyecheon, na capital Seul, em abril. Doria pôde ver de perto que, independentemente de a questão do esgoto ser tratada aqui
por órgãos do Estado, lá o rio sensibiliza a todos: políticos, moradores e turistas. Há até peixes nele.

Ao contrário dos governos tucanos à frente do Estado paulista, os sul-coreanos conseguiram a proeza de revitalizar, em apenas quatro anos, o rio que corta a metrópole, ao custo de US$ 370 milhões.

Do lado de cá, Tietê e Pinheiros continuam espantando a freguesia. Desde 1992, o projeto de recuperação do Tietê, tocado pelo governo do Estado, já consumiu, alegam, US$ 2,7 bilhões em coleta e
tratamento de esgoto.

Houve avanços: a coleta de esgoto passou de 70% para 87%, e o tratamento do que é coletado saltou de 24% para 70%. Em pouco mais de 20 anos de obras, a Sabesp diz que passou a tratar dejetos de 8,5 milhões de
pessoas.

Falta saber se existe um prazo para acabar com as emissões clandestinas de esgoto, lançado diretamente no rio.

Outra dúvida que paira no ar: após o extermínio do verde, provocado pela ampliação das marginais, o replantio da vegetação às margens será retomado? Afinal, para realmente darmos boas-vindas, precisaremos oferecer ao visitante o desfrute de uma tarde ensolarada ou de uma noite de lua cheia na beira do rio Tietê, o que hoje pode soar como piegas de tão utópico.


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