Folha de S. Paulo


Tentativa e erro

O recuo da presidente Dilma em relação à CPMF coroou uma série de iniciativas desorientadas que comandam o governo desde as ameaças de impeachment.

Primeiro foi a Agenda Brasil, coleção de postulados conservadores destinada a afagar a elite. Alguém sério ainda lembra dela?

Depois veio o anúncio atabalhoado do corte de ministérios. Quantos? Quais? Quando? Deixa pra lá.

Agora o ensaio de ressurreição da CPMF. Nem se trata de entrar no mérito da proposta. Tampouco perder muito tempo em registrar o cinismo de oposicionistas e outros tantos que criaram o imposto no passado e agora posam de seus maiores adversários.

A raiz do problema continua sendo a mesma. Como compatibilizar um governo que se diz social –e que, por isso, tem sido reeleito–, mas insiste em procurar socorro naqueles que nunca engoliram a hegemonia de um partido fora do cenário tradicional da política brasileira. O pau que bate em Chico continua preferindo os Chicos, este é o fato.

O resultado constrange. A tal base política esfarela-se dia após dia. As concessões a torto e, principalmente à direita, não surtem efeito. De uma certa forma, o Planalto caiu na armadilha montada pela oposição. O fantasma golpista passou a guiar todos os passos da administração.

Cada lado festeja vitórias fátuas em tribunais que há muito perderam o respeito público. Além do TCU, Dilma vem sendo ameaçada pelo TSE. Ora, na mesma corte o PSDB é suspeito de cometer pelo menos 15 irregularidades na campanha presidencial. Você sabia disso? Provavelmente não. O assunto está confinado ao pé de página de alguns jornais. Uma das acusações, veja só, refere-se a doações de empreiteiras citadas na mesma Lava Jato que sataniza o PT.

Isso sem falar do escândalo do HSBC e da roubalheira assumida na sonegação fiscal na Receita. Talvez a Operação Zelotes não seja tão sexy, como diria o ministro Levy. Nesta nem foi preciso recorrer a vazamentos premiados de criminosos reincidentes. O próprio juiz responsável pelo caso, aprendiz de Gilmar Mendes, tratou de bloquear a investigação.

O Brasil vive sobretudo uma luta política. Mas quem vai decidir o desfecho são aqueles que sentem na pele o emprego minguar, os preços aumentarem, o acesso à educação, à moradia e a benefícios trabalhistas duramente conquistados ficarem mais difíceis. Isso não se resolve com discursos ou batalhas apenas pelo poder, seja de que lado for.

ENCONTROS E DESPEDIDAS

Por motivos pessoais e profissionais encerro hoje mais uma etapa nesta Folha, a terceira em minha carreira de jornalista. Acredito ter correspondido aos objetivos a que me propus em minha coluna inicial.

O debate sobre a democratização dos meios de comunicação está na ordem do dia, e ultrapassa os efeitos decorrentes da multiplicação de tecnologias. A radicalização política muitas vezes envenena a discussão, cuja peça central deve ser assegurar a verdadeira liberdade de imprensa.

Qualquer que seja esta nova paisagem, a Folha tem seu lugar assegurado. Durante todo o período como colunista, nunca fui censurado, tampouco instado a mudar opiniões, conceitos e princípios. Ao contrário: sempre gozei de completa liberdade, e incentivo, para exprimir minhas ideias –independentemente de diferenças editoriais.

Sempre terá sido uma honra dividir esta página com jornalistas consagrados como Janio de Freitas, Clóvis Rossi, Marcelo Coelho e tantos outros que a restrição de espaço impede citar. À Direção de Redação, capitaneada por Otavio Frias Filho, agradeço o apoio e respeito profissional irrestritos. Espero ter retribuído à altura.

Muito do que aprendi neste ofício devo aos anos trabalhados nesta Folha. E me orgulho disso.


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