Folha de S. Paulo


Moro num país tropical

Enquanto as denúncias sobre a Petrobras, cartel do Metrô em SP e descalabros estaduais eram apenas temas de gabinete, muita gente apostou na velha fórmula de empurrar com a barriga. No Brasil "abençoado por Deus e bonito por natureza", imaginou-se: quem sabe tudo se ajeite como na canção de Jorge Ben Jor.

Difícil. A sensação é a de que se chegou num limite em que tudo parece virado de cabeça para baixo. Partidos ditos representantes do povo, como o PT, tomam a dianteira no ataque a direitos dos trabalhadores. São medidas castigando desde o emprego até a educação.

Pouco importa a justificativa de que se pretende combater fraudes, supostas prebendas ou benefícios exorbitantes. O fato é que a maioria foi pega de surpresa, sem explicações convincentes e, pior, sem qualquer contrapartida por parte dos mais ricos. No mínimo, um erro de comunicação; no máximo, rendição mal-disfarçada.

Hoje a oposição empunha de modo oportunista bandeiras cativas do governo eleito: defesa de direitos trabalhistas, correção justa da tabela do IR e por aí afora. E vice-versa. O melhor retrato é a coalizão no poder. Tido como principal aliado e companheiro de carteirinha, o PMDB lidera a resistência ao governo. Aécio Neves, tucanos, que nada. Mesmo o zelador sabe que o maior adversário é Eduardo Cunha, do mesmo partido do vice-presidente.

Claro que não pode dar certo. Desde a derrota contundente no Parlamento, Dilma tem sido obrigada a comer na mão do presidente da Câmara. Este nada de braçadas. Cunha diz o que pode e o que não pode, emplaca apaniguados em cargos chaves do Congresso e espera sentado a subserviência do Executivo. Nem quer pagamento à vista. Prefere caprichar nos juros, tal qual um agiota experimentado.

O enredo funcionaria à perfeição caso a plateia escolhesse o silêncio. Nada aponta para isso. As greves nas fábricas, o bloqueio da ponte Rio-Niterói e a revolta em cidades como Curitiba e Rio Grande sinalizam que a luta apenas começou.

Os ventos da Lava Jato sopram no mesmo sentido. Os métodos humilhantes impostos pelo juiz Moro a acusados chamam a atenção por atingirem figurões. Mais grave: perto de que passam as dezenas de milhares de presos sem culpa ou condenação, o ambiente em que estão os empresários equivale a uma suíte premium de hotel. O paralelo, antes de mais nada, serve sobretudo para escancarar a indigência da Justiça e do sistema carcerário.

Por trás disso há um drama muito maior. O das famílias que, de uma hora para outra, perdem seu ganha pão pela paralisia do governo diante do efeito cascata das roubalheiras. A começar da Petrobras, as empreiteiras e construtoras afins engolfadas pelo escândalo são, antes de tudo, obras de cidadãos que nada têm a ver com os malfeitos.

Que se afastem os corruptos e corruptores. Que se punam os acionistas majoritários, por ora blindados pela camada de executivos acostumados a vender a honra em troca de carros importados ou casas de luxo em condomínios vigiados. Que se decrete a intervenção judicial, de preferência a partir de magistrados alheios a espalhafatos, enquanto restam em aberto as culpas e punições devidas. Acima de tudo, que se preservem os empregos dos milhares de trabalhadores ameaçados.

Sem medidas corajosas e iniciativa política, o governo só faz cavar sua própria cova. Não há "nega Tereza" que possa acudir, salvo se as ruas impuserem um freio de arrumação.


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