A pindaíba generalizada que afeta o setor público brasileiro já deixou de ser novidade há muito tempo, e o financiamento à ciência, como de costume, foi uma das primeiras vítimas das tesouras orçamentárias, mas alguns baques recentes no setor parecem confirmar a máxima de que não há nada tão ruim que não possa ser piorado. Tanto em nível federal quanto no Estado de São Paulo, medidas recentes do Legislativo ameaçam criar um cenário ainda mais incerto para os pesquisadores do país.
A situação mais complicada provavelmente é a do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável por fornecer bolsas de pesquisa para cientistas do país todo, além de financiar grandes projetos científicos. A chamada Lei Orçamentária Anual, aprovada pelo Congresso, prevê que, em 2017, R$ 1,1 bilhão dos recursos do CNPq para o pagamento de bolsas venha da chamada Fonte 900. A terminologia parece coisa de numerólogo, mas na prática quer dizer o seguinte: essa dinheirama (que na verdade é pouca coisa, consideradas as necessidades da pesquisa nacional) não tem forte orçamentária clara e definida. Virá, em tese, de "recursos condicionados" da União, que dependem de remanejamentos.
Neste momento, portanto, é quase dinheiro virtual –diferentemente do que costumava acontecer antes, quando os recursos para o CNPq vinham da Fonte 100 (prometo que é o último termo numerológico aqui), que tem vinculação direta com o Tesouro Nacional e, portanto, representa uma origem "firme" dos recursos.
O MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), ao qual o CNPq está subordinado, tem afirmado repetidamente que será possível obter todos os recursos previstos, mas os líderes da comunidade científica enxergam a situação como extremamente incerta.
Dá para imaginar o frio na barriga de quem depende de bolsas de mestrado e doutorado país afora. Bolsas do CNPq, afinal de contas, sustentam um número considerável de famílias por aí (considere que os que as recebem já concluíram a faculdade e fazem seus estudos em regime de dedicação praticamente exclusiva, sem poder aceitar um emprego que não esteja relacionado ao seu tema de pesquisa).
Desse ponto de vista, a nova tesourada em São Paulo talvez não tenha efeitos tão daninhos quanto a federal, mas seu peso simbólico é igualmente assustador. Por decisão da Assembleia Legislativa estadual, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) perderá R$ 120 milhões de seu orçamento anual (hoje na casa de R$ 1 bilhão). O dinheiro será destinado a institutos de pesquisa estaduais, mas os cientistas paulistas argumentam que o remanejamento viola a Constituição do Estado, segundo a qual 1% da receita tributária deve ser destinada à Fapesp sem mais delongas.
Faz sentido pensar que o precedente é perigoso, porque a Fapesp é, disparado, o órgão estadual do país com atuação mais consistente na área, e o único com uma verdadeira tradição de independência em relação aos humores do Executivo.
O leitor talvez esteja se perguntando se é justo que os cientistas continuem a esperar a ajuda do Estado numa crise como a atual. A questão é que ciência básica com impacto econômico e social, em qualquer lugar do mundo, só existe quando cada país a financia com visão estratégica. As grandes universidades privadas americanas só fazem descobertas biomédicas de impacto porque o governo dos EUA gasta rios de dinheiro com elas, por exemplo. Podemos até sair da crise pondo a ciência para escanteio, mas vamos continuar medíocres se ela não se transformar em prioridade.