Pesquisadores da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul estão sendo obrigados a viver numa versão nem um pouco divertida do Dia da Marmota. Tal como o personagem interpretado por Bill Murray na comédia "Feitiço do Tempo", que tinha de reviver exatamente o mesmo dia incontáveis vezes, os cientistas gaúchos se veem diante da ameaça do fim da fundação pela segunda vez em pouco mais de um ano. Motivo: economia de verbas do governo estadual, que está indo à bancarrota não é de hoje. A comédia se repete como farsa –ou como tragédia mesmo, para ser sincero.
Embora desta vez outras instituições de pesquisa gaúchas também estejam na marca do pênalti –é o caso da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, por exemplo–, peço licença para me concentrar mais uma vez na situação da Fundação Zoobotânica, simplesmente, por um lado, porque ele me toca de maneira pessoal.
Já entrevistei gente que faz um trabalho sério lá dentro há décadas, como o paleontólogo Jorge Ferigolo. Tenho um outro motivo para seguir esse caminho, porém: sou um entusiasta do conhecimento científico básico, aquele que supostamente "não serve para nada". Nenhuma civilização e nenhuma nação consegue enxergar mais longe, no espaço ou no tempo, sem esse tipo de conhecimento.
Deixemos de lado os argumentos puramente econômicos –como o fato de que os órgãos científicos que o governo rio-grandense quer extinguir gastam por ano, todos juntos, mais ou menos o mesmo valor que o Estado terá de despender anualmente com auxílio-moradia para seus juízes e promotores (ou seja, algo em torno de R$ 100 milhões por ano, segundo o jornal "Zero Hora"). Fora o despropósito de pagar "bolsa-apê" para quem já ganha entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por mês, a proposta –enviada à Assembleia Legislativa– mal fará cócegas no deficit de R$ 2,35 bilhões do Estado, caso seja aprovada.
São dados importantes, mas na minha cabeça eles encolhem diante do fato de que a fundação é a responsável por fazer laudos paleontológicos nos processos de licenciamento ambiental no Rio Grande do Sul, por exemplo. Parece grego? Pois isso significa que, toda vez que alguém escava o solo sulino para uma obra de grande porte e topa com alguns ossos esquisitos, cabe aos cientistas do órgão dizer se os tais restos são importantes para entender a fauna e a flora do passado remoto.
Esse é um dos fatores que explicam o sucesso de Ferigolo e seus colegas em estudar peças cruciais da saga da vida na Terra –como os ancestrais dos primeiros mamíferos e dos mais antigos dinossauros. Se você quer saber qual é a sua posição na Árvore da Vida, o chão gaúcho tem algumas coisas interessantes a lhe dizer, e o faz graças, em parte, ao trabalho do órgão.
O passado é a chave para o presente, mas os esforços dos cientistas da fundação com as formas de vida atuais é igualmente relevante –identificando novas espécies, elaborando listas de animais e plantas em extinção, buscando formas de usar a biodiversidade de maneira sustentável. E ainda mantêm um zoológico, um jardim botânico e um museu de ciências naturais– os melhores espaços para que criaturas urbanas possam se apaixonar pela diversidade da vida.
Por tudo isso, acabar com a fundação é profundamente tacanho. Uma marmota enfiaria a cara na terra –de vergonha.