Folha de S. Paulo


Condenação dos policiais do Carandiru também era massacre: da ordem legal

Rovena Rosa/Agência Brasil
Sessão do TJ que anulou julgamento; na mesa principal (ao centro, no microfone, diante de notebook), o desembargador Ivan Sartori
Sessão do TJ que anulou julgamento de policiais que participaram do "massacre do Carandiru"

Errou feio o editorial desta Folha, nesta quinta, ao ignorar que a anulação dos julgamentos dos 74 PMs que participaram do chamado "massacre do Carandiru" apenas exercita a lei. Para o jornal, tratou-se de uma "mostra de inabalável inapetência" do Judiciário "por cumprir sua razão de ser". A crítica, no caso, é dirigida ao Tribunal de Justiça de São Paulo, particularmente aos três desembargadores que tomaram a decisão: Ivan Sartori, Camilo Léllis e Edison Brandão.

Se é assim, então foram inapetentes porque decidiram seguir o que está escrito em vez de fazer justiça com a própria toga –já há quem pense que policiais devem fazer justiça com o próprio revólver. Por óbvio, discordo de uma coisa e de outra. E noto que, seja para tratar desse caso, seja para apontar algumas atitudes da força-tarefa da Lava Jato que desbordam do devido processo legal, o mais difícil, no Brasil, tem sido defender o único conjunto capaz de nos unir nas diferenças: o arcabouço legal. Sem ele, sobram tiro, porrada e bomba.

Alguns pretendem jogar esse arcabouço no lixo por sede de vingança e mandam às favas os direitos humanos; outros, como acredito que seja o caso deste jornal, por fome civilizatória, em nome dos direitos humanos. Se o que se ignora é o pactuado, estão todos errados. Segundo explicita de maneira inequívoca o Artigo 41 do Código de Processo Penal, as condutas criminosas têm de ser individualizadas. É aceitável que policiais sejam condenados de 48 a 624 anos de cadeia, ao arrepio da lei, para servir de exemplo? Não se faz justiça exibindo cabeça em poste.

No caso em questão, onde está especificada a conduta de cada um? Até as penas foram definidas segundo as patentes, num misto de justiçamento com responsabilização objetiva, que nada tem a ver com democracia. Os policias foram acusados porque estavam lá e admitiram que atiraram, duas contingências decorrentes da função que ocupavam. Quando o Ministério Público se nega a denunciar os criminosos do MST ou do MTST, a justificativa é sempre a mesma: impossibilidade de individualizar as imputações. E olhem que temos a lei para punir organizações criminosas, crime em que não incorre a PM. A esquerda nunca reclamou. Acho que nem a Folha.

Sei bem onde me meto. Ousei apontar alguns exageros e ilegalidades na Lava Jato, e os espadachins da reputação alheia me trataram, imaginem vocês, como simpatizante de Lula!!! Digo agora que o TJ-SP só cumpriu a lei, e não faltarão os pistoleiros para me acusar de defensor de massacres.

Sartori pediu, voto isolado, também a absolvição dos réus. Teria ofendido a Constituição? A Alínea C do Inciso XXXVIII do Artigo 5º da Constituição reconhece, sim, a soberania do júri. Mas é ampla a jurisprudência do STF assentando o óbvio: o júri não é soberano para condenar contra as provas. Trecho do HC 68.658: "A competência do Tribunal do Júri (...) não confere a esse órgão (...) um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se (...) ao controle recursal do próprio Poder Judiciário (...). A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional, que assegura a soberania dos veredictos desse Tribunal Popular". E isso implica que um tribunal pode até absolver quem o júri condenou. Se houver motivo. E sem ofensa à Constituição.

Nas democracias, uma escolha essencial distingue um "progressista", que não sou, de um "conservador", que sou: o primeiro acredita que se pode transgredir a lei para fazer justiça, a exemplo do editorial da Folha. O segundo avalia que, ao se fazer isso, não se corrige a eventual injustiça em pauta e ainda se abre caminho para injustiças novas.

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