Folha de S. Paulo


Marcola é só um Lênin primitivo

Cinco homens estupraram quatro garotas na cidade de Castelo do Piauí (PI). Um deles tem 41 anos, os outros quatro, entre 15 e 17. Dois desses rapazes somam 120 ocorrências entre polícia e Conselho Tutelar. Uma das vítimas foi enterrada na segunda (8). Duas outras seguem internadas. O adulto deve pegar uns bons anos de cana. Os outros quatro estarão soltos daqui a três anos. Com alguma manha, posam de anjos da cara suja e saem antes. A ficha deles será tão limpa como a sua, leitor. O registro de seus respectivos nomes desaparecerá dos arquivos oficiais. Estarão prontos para arrumar emprego em escolinha infantil.

Na quarta (10), estudantes ligados à UNE e à UBES, aparelhos do PCdoB cujo comando é definido em eleição indireta, e militantes de outras seitas invadiram a Câmara, onde se encontravam deputados eleitos diretamente, para impedir que a comissão especial votasse o relatório de Laerte Bessa (PR-DF) favorável à PEC que baixa a maioridade penal de 18 para 16 anos. Sim, está longe de ser o ideal.

O sensato seria eliminar da Constituição a linha da inimputabilidade e definir, na legislação ordinária, as penas segundo o crime cometido e a situação objetiva do criminoso. Menores de 18 e maiores não dividiriam a mesma instituição prisional, mas a ninguém seria garantida a impunidade. Com pequenas variações nas faixas etárias, assim é em países em que há menos de um homicídio por 100 mil habitantes. No Brasil, há 26.

O que levou aqueles brucutus à Câmara? Esquerdistas, como regra, são intelectualmente brutos e brutais, embora hábeis em fingir-se de guardiões do humanismo. Contam, para isso, com a ajuda de... intelectuais! Recomendo, a propósito, o livro "O Retrato", de Osvaldo Peralva, que trabalhou nesta Folha, publicado em 1962, reeditado agora pela editora Três Estrelas.

O jornalista expõe as entranhas do PCB. Naquele passado remoto, os camaradas julgavam ter descoberto a chave do futuro da humanidade; nos dias correntes, os companheiros reivindicam o monopólio do inconformismo com as iniquidades. Aqueles acreditavam ser preciso eliminar os reacionários para conciliar a história com a sua vocação: o socialismo; os de agora querem eliminar os reacionários para fazer justiça.

Por alguma razão que a economia política não explica, infere-se que a delinquência comum é subproduto de uma tensão que seria revolucionária se os protagonistas da barbárie tivessem consciência de seu papel. Esse novo Rousseau é ainda mais tarado do que o original: o homem nasce revolucionário; o capital é que o corrompe.

Eis por que a incrível e triste história de rapazes assassinos e seus pais desalmados costuma mobilizar mais o verbo caridoso de jornalistas do que a das vítimas. É um mecanismo mental perverso: quando um desses menores mata, só então ele exerce o seu papel na narrativa. Tem de ir fundo no crime para ser vítima e herói trágico, provando a perversidade do sistema. Só quando mata, ele se torna, então, um verdadeiro inocente. Entenderam? Com a revolta no lugar certo, Marcos Willians Herbas Camacho seria Lênin, não "Marcola".

No livro "Rebeldes Primitivos", Eric Hobsbawm foi buscar em seitas secretas rurais, em conflitos da era pré-industrial e em movimentos milenaristas manifestações, digamos, seminais da luta revolucionária que se desenvolveria mais tarde. As nossas esquerdas primitivas acham que o homicídio é a véspera da redenção.


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