Folha de S. Paulo


Grécia Antiga modo de usar: curso cura intolerância e males modernos

O ator Rodrigo Lopez estreia a oitava temporada de "O Cuidar de Si: Iluminação e Cura na Grécia Antiga".

Não se trata de uma peça, mas de um curso organizado em cinco aulas, nas quais ele usa a verve teatral para traduzir os saberes gregos para a atualidade. A missão é propor tratamentos para males da modernidade, tais como intolerância, mediocridade, superficialidade.

"Meu curso sobre Grécia Antiga é um guia de sobrevivência ao Brasil moderno", brinca o ator/professor. "Estamos indo para um lugar da mediocridade, da superficialidade. Em paralelo, as pessoas expressam muitas convicções, certezas absolutas. As duas coisas não se casam. Alguém tem que provocar esse lugar do saber, de como estudar e se preparar para a vida."

E a Grécia é a interlocução perfeita. "Os gregos estimulavam e praticavam o tempo todo o pensar, o questionar. O meu argumento, o seu argumento. O que é a verdade? Ela está na mão de quem?"

As respostas a todos os questionamentos estão lá: na mitologia, na filosofia e até mesmo na paisagem grega, presente nas imagens que vão ilustrando saberes de pensadores e deuses que povoam a Grécia Antiga.

"Sócrates fala que a verdade não está na mão de ninguém, nem comigo nem com você. Ela está entre a gente. Portanto, é preciso que as pessoas se encontrem", destaca Lopez, em tempos de internet como mediadora das relações humanas, de "pós-verdade".

"É muito bonito mergulhar na Antiguidade grega, porque é muito moderno. A ponto de chocar. Quando eu vi que era um assunto extremamente contemporâneo e que podia fazer uma ponte para a gente melhorar, ou pelo menos suportar a realidade, eu acabei dando uma bola dentro."

O curso estreou em janeiro deste ano a Casa do Saber e encerra 2017 com um mega-aula para 700 pessoas em novembro durante o encontro anual da Turma do Bem, em Poços de Caldas (MG).

Ao final, cerca de mil alunos terão assistido às aulas do ator que não quis encenar, mas ensinar o tema.

"É um ator trazendo um conteúdo acadêmico, passado com carisma e poder de comunicação. Não estou dizendo que é melhor ou pior", diz Lopez. " Eu devo tudo aos acadêmicos. O rigor da pesquisa são eles que trazem. Eles sabem muito mais do que eu, mas talvez eu comunique mais, seduza mais."

ENTUSIASMOS TEATRAL

O conteúdo acadêmico, fruto de pesquisa, leituras e viagens, ganha certa leveza na "interpretação" carismática de Lopez. "Minha função é trazer entusiasmo, que inclusive, é uma palavra grega."

O interesse pela Grécia surge quando ele ingressa, aos 22 anos, na Escola de Arte Dramática da USP, onde cursou um ano e meio de teatro grego. Iniciação pelas mãos da professor Sandra Sproesser, atual diretora da faculdade.

"Eu achava uma matéria difícil, mas abriu uma tampa na minha cabeça. É um assunto que me acompanha até hoje. Nos últimos três anos, eu fiz um mergulho de verdade. Comecei a estudar, fui para Atenas."

Na última viagem em 2016, alugou um carro e fez pesquisa de campo durante 28 dias. "No começo, ficava um pouco constrangido. Nossa, vou fazer um curso sobre Grécia Antiga, que ousadia. Não sou um acadêmico, um helenista."

Mesmo admitindo que ainda tem de comer muito feijão com arroz diante da imensidão da tarefa, ele decidiu estruturar o tal curso com um recorte curioso e contemporâneo sobre o tema. "Afinal, como ator, sou de alguma forma abençoado por Dionísio. O teatro começou na Grécia."

O curso nasce, então, de uma paixão e de uma necessidade. "O mundo está puxadíssimo", pontua Lopez. "E a conversa, o diálogo, pode ser curativo."

"Tá muito fácil pensar hoje em dia. É preciso que a gente elabore melhor o caminho do pensamento. As pessoas não estão fazendo mais isso, muito por causa da internet. Ninguém quer textão. Ninguém quer estudar, ler um livro."

As aulas, com duração de duas horas, são um bom atalho para quem deseja começar a se aprofundar no tema, sem pretensões acadêmicas, mas movido pelas mesmas inquietações do ator.

ARQUEOLOGIA DO SABER

De 17 A 31 de outubro, sempre às terças e quintas-feiras, Lopez faz uma introdução ao pensamento grego, um passeio pela civilização helênica, pela tradição oral. Ao mesmo tempo, convida os alunos para visitas a sítios arqueológicos.

Aqueles mesmos, lotados de turistas, mas que muitas vezes passam batido pelos ensinamentos incrustados em colunas e templos em ruínas.

"A Grécia tem um apelo turístico muito de verão, de férias; 'Vou pra Mikonos, tomar meu Aperol'", alfineta. "E, às vezes, a pessoa está lá de costas para histórias sensacionais. Quero trazer uma imagem da Grécia que fica muito retida na universidade."

E como guia, Lopez vai levando a audiência para paisagens famosas e outras desconhecidas. "São oráculos, santuários de cura", explica. Ele conduz os alunos, por exemplo, pelo santuário de Epidauro, dedicado ao deus Asclépio, ou percorrer a história do oráculo de Apolo, em Delfos.

A viagem acaba falando de iluminação. "É o homem tentando se divinizar. É lindo."

É o tema certo na hora certa, intuía o professor/ator. "Falar sobre a iluminação pessoal, de como encaminhar o pensamento e chegar a uma cura diária." Neste caso, cura não está necessariamente relacionada à medicina, "mas ao encontro, à poesia, ao teatro, à loucura, ao transe, a aspectos interiores da vida".

É um chamado também para o questionamento de verdades absolutas e miniconsciências", tão em voga nas linhas do tempo do Facebook e outras redes sociais. "O que mais vemos hoje são julgamentos, preconceito, intolerância. São coisas horríveis o tempo inteiro: contra mulher, contra homossexual, contra negro, contra a arte. Pessoas se odiando."

Lopez propõe um mergulho na antiguidade grega como antídoto. "Você se refugia no saber e elabora melhor o conhecimento, busca a tolerância", afirma. "Não vou bater boca, me indispor."

Ideias que fizeram o ator querer ir mais longe e desenhar um novo curso para 2018, agora sobre o amor na Grécia Antiga, passeando por Eros, Afrodite, Adônis. Deuses que vão conduzir aulas sobre questões como erotismo, homossexualidade.
"A Grécia é uma possibilidade de se abrir para o conhecimento, de reverenciar sentimentos profundos."

Para Lopez, as tragédias, assim como a geografia e os templos gregos, dizem a mesma coisa: "Façam perguntas difíceis, olhem mais longe." E as respostas? "São o caminho", conclui.

O Cuidar de Si: Iluminação e Cura na Grécia Antiga - Auditório da Turma do Bem - Rua Sousa Ramos, 311, Vila Mariana, São Paulo, SP. De 17 a 31 de outubro, sempre às terças e às quintas. Das 20h às 22h. R$ 480. Informações na página do curso.


Endereço da página:

Links no texto: