Folha de S. Paulo


Em meio a acusações, Fundação Oscar Niemeyer questiona obras póstumas

Detentora dos direitos autorais da obra de Oscar Niemeyer, a fundação que leva o nome do arquiteto e é presidida por sua neta Ana Lúcia, bloqueou uma série de novos projetos capitaneados por outros membros da família.

É o caso de um aquário em Maricá (RJ), anunciado em 19 de agosto de 2013, sete meses após a morte de seu autor.

O prefeito do município fluminense Washington Quaquá (PT) assinou compromisso com o Instituto Oscar Niemeyer, que tem a viúva Vera Niemeyer como presidente de honra, para o desenho do projeto básico por R$ 2,5 milhões.

A Fundação Oscar Niemeyer, criada há 25 anos para preservar a memória de Oscar, desautorizou o acordo e impediu que o aquário saísse do papel.

"Não temos interesse de impedir novos projetos. Agora, tem que ser feito com critério", critica Carlos Ricardo Niemeyer, superintendente da fundação.

Bisneto de Oscar e administrador legal de um acervo com 10 mil documentos arquitetônicos (entre plantas, croquis e desenhos técnicos), Carlos Ricardo diz que qualquer negociação tem que passar pela fundação.

"Não podem pegar um projeto que Niemeyer fez para Salvador, como é o aquário, e levar para Maricá. Nem querer construir em São Paulo uma mesquita desenhada para Argel."

Seu primo, Paulo Sérgio Niemeyer, discorda. Ele se diz coautor do projeto do aquário e espera receber R$ 1,2 milhão pelas 68 pranchas que alega ter desenhado para desenvolver a ideia original do bisavô.

"Eles acham que só a fundação têm direito e pode fazer os projetos do Oscar", diz ele, cujo escritório tem o nome de Niemeyer Arquitetos Associados.

"A fundação não é e nunca foi um escritório de arquitetura", prossegue o arquiteto da terceira geração da linhagem de Oscar Niemeyer.

"Oscar nunca gostou da fundação se metendo no trabalho dele. Achava que ela podia fazer exposição e vender retrato. Agora, se meter na arquitetura? Eles não têm qualificação. Vejo isso como apropriação indébita."

Herdeiros Niemeyer

OBRA EM SUSPENSO

Em nota, a Prefeitura de Maricá diz aguardar a definição de "questões relativas ao inventário do arquiteto", para abrir licitação para construção do complexo.

"A Prefeitura mantém o interesse em transformar em realidade esse que foi um dos últimos trabalhos efetivamente assinados pelo próprio Oscar."

Jair Valera, sócio de Ana Elisa Niemeyer no escritório de arquitetura que desenvolve os últimos projetos deixados por Oscar, questiona a coautoria de Paulo Sérgio.

"O aquário é um projeto do Oscar", diz, desautorizando o filho de sua sócia.

"Ninguém se entende", rebate Paulo Sérgio. "Mas eu evito brigar. Eles acham que é arrogância, mas do Oscar pra baixo só tem minha mãe e eu. E ela não desenha."

Paulo Sérgio não mantém contato com a família. "Nem com a minha mãe." Procurada pela Folha, Ana Elisa não se pronunciou. "Nunca falei, não vou falar agora."

Ana Lúcia também não concede entrevistas e está reclusa há quatro meses.

Para embaralhar mais o meio de campo, a fundação criou um conselho consultivo, formado por arquitetos, que analisa o que pode ou não ser feito em obras de Oscar Niemeyer.

Também arbitra sobre a autenticidade de projetos.

"Existe polêmica sobre a obra recente e a autenticidade de desenhos, além de terceiros vendendo projetos como se fosse do Oscar", afirma Carlos Ricardo.

ARTILHARIA PESADA

A fundação aponta sua artilharia também para a viúva e inventariante, ao questionar a legitimidade do Instituto Oscar Niemeyer.

"Entramos na Justiça, pois a Vera está envolvida. Estamos pedindo que deixem de usar o nome. É esquisito como eles pegaram a autorização para esse instituto", diz o superintendente da fundação.

João Batista de Morais Jr., superintendente do instituto, rebate.

"Doutor Oscar achava que faltava um instrumento social para completar sua obra e nos autorizou, por escrito, a criar o instituto e colocar o nome dele."

Batista cita como exemplo de atuação do instituto negociação em curso para transferência de tecnologia da Rússia. "É impressionante como o nome de Oscar Niemeyer abre portas."

Caso vingue o acordo para trazer ao Brasil a tecnologia de segurança a partir de reconhecimento pela íris, ele diz que o instituto vai aplicar o lucro na área social e em campanhas educativas.

"O uso do nome Niemeyer independe dos herdeiros, já que foi um ato de vontade do próprio Niemeyer."

O nome Oscar Niemeyer é uma marca registrada pela fundação. "É totalmente inapropriado esse uso", diz Carlos Ricardo.

Uma segunda marca, apenas Niemeyer, foi patenteada no ano passado por iniciativa de Paulo Sérgio.

O bisneto de Oscar utiliza a marca com seu sobrenome em sua linha de móveis de design. Entre as peças está a chaise Rio, cadeira "inspirada" no mobiliário desenhado pelo avô.

O licenciamento de móveis com assinatura de Oscar Niemeyer representa 80% da renda atual da fundação, segundo Carlos Ricardo.

PRESTAÇÃO DE CONTAS

A entrada de recursos desde 2013 também está na mira dos outros herdeiros. Na sexta-feira (9), a fundação Oscar Niemeyer foi notificada extrajudicialmente para realizar prestação de contas.

A notificação foi feita em nome de Carlos Eduardo Niemeyer, o Kadu, e evoca a quarta cláusula do contrato de cessão de direitos que obriga o repasse aos herdeiros de 30% dos valores obtidos com a comercialização de obras.

"Vamos apresentar a prestação de contas no mesmo instante. Pedi para o Kadu vir aqui na semana que vem para discutir de que maneira será feito isso", informa o superintendente da fundação.

E novos capítulos da disputa se desenham.

Paulo Sérgio pretende criar o seu Instituto Oscar Niemeyer de Políticas Urbanas. Mostra um documento assinado pelo bisavô, que teria inclusive desenhado a sede.

"Estou procurando um lugar. Essa assinatura é reconhecida. Tenho foto dele assinando. Hoje discutem muito sobre assinatura falsa. A briga é feia."

E ele planeja exibir no futuro instituto croquis inéditos do criador de Brasília. "Muita coisa está com a fundação, mas eu tenho mais de 200 croquis. Ele ia jogar fora, eu guardava", diz.

Paulo Sérgio relata um diálogo com o bisavô. "Você gosta de rapa de tacho, né?", teria dito o velho Niemeyer. O jovem ignorou a reprimenda. "Eu respondia: 'Claro, eu quero'. Vou jogar fora?."

E conclui sobre os "tesouros" guardados a sete chaves. "É esse lixo que tenho aqui comigo hoje."

VULGARIZAR O NOME

O arquiteto diz temer a "vulgarização" do nome da família. "Niemeyer virou Silva", critica.

"Por isso, fiz questão de patentear a marca de produtos. Eles [a fundação] não podem contestar. É meu sobrenome."

Carlos Ricardo não contemporiza: "Infelizmente, ele está usando isso de uma maneira que confunde as pessoas. Uma vez configurada tentativa de usar o nome do Oscar, tomaremos as medidas necessárias".

O dono da marca Niemeyer diz que sua cadeira em fibra de carbono, que custa R$ 20 mil, está vendendo bem.

Uma boa notícia para quem não recebe mais a "mesada" do escritório Oscar Niemeyer. "Minha carteira ainda é assinada, mas não recebo nada desde 2013. Eles estão em dificuldade financeira, por isso evito brigar. Tento ajudar."

E termina a entrevista pedindo o fim das disputas: "Além de achar uma palhaçada e uma dificuldade danada, tem que ficar claro o que cada um pode fazer."

Ele conta que a mãe e o tio, Carlos Oscar, impediram uma negociação inicial para levar um projeto que teria sido feito em coautoria com o bisavô para a futura cidade olímpica.

"Eles mandaram uma carta dizendo que eu não poderia fazer, pois eu não era herdeiro do Oscar Niemeyer. Criaram uma confusão danada. Pegou mal pra caramba."


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