Folha de S. Paulo


Neto de Oscar Niemeyer ganha a vida como taxista nas ruas do Rio

Aos 14 anos, Carlos Eduardo Niemeyer, 61, aprendeu a dirigir com o avô, Oscar Niemeyer (1907-2012).

Três anos após a morte do arquiteto, Kadu, um dos quatro herdeiros formais, ganha a vida atrás do volante de um táxi no Rio. Ele faz ponto na praça praça Santos Dumont, na Gávea, com seu Meriva (ano 2007), há um ano e meio.

"Até cinco meses atrás, eu saía de casa às 6h e ia até as 22h. Agora, botei um motorista pra trabalhar à noite e rodo de dia", conta. "No começo foi duro. É uma mudança dramática. Eu era usuário de táxi e passei a ser o taxista."

A outra profissão de Kadu, fotógrafo de arquitetura, sofreu um baque com a morte de Oscar. Ele atuava principalmente nos festejados projetos do avô mundo afora.

Enquanto Oscar estava vivo, Kadu recebia R$ 15 mil por mês, fotografando ou não. "Eu tinha uma mesada, um salário, o nome que for." E diz que não era um privilégio só seu.

"Ele sempre fazia esse jogo. Não era só comigo não, era com minhas irmãs, com minha mãe. Eu falo que ele era o Poderoso Chefão, um dom Corleone."

E na cultura de clã, a última palavra era do patriarca. "O lado ruim foi podar todos os projetos independentes que tentamos fazer. Ele sempre achava um jeito de impedir nossa carreira solo."

TESTE VOCACIONAL

Kadu, no entanto, reconhece as próprias cabeçadas, como abandonar a faculdade de administração. Lembra de, aos 20 anos, em Paris, o avô tentar enquadrá-lo, sugerindo que fosse aprendiz de mestre de obras em um dos seus projetos.

"Ele achava que eu podia voltar para o Brasil e montar uma construtora. Não tinha nada a ver comigo."

Ele se emociona ao recordar de um dos últimos encontros no hospital com o patriarca da família, que morreria aos 104 anos, em 5 de dezembro de 2012. "Ele virou pra mim e disse: 'Carlos Eduardo, o que você vai fazer da tua vida?' A preocupação dele até nos últimos momentos era saber o como eu ia ficar."

Kadu deixou de receber o "salário/mesada" dois meses após o enterro. "Eu tinha essa renda mensal que vinha do escritório do meu avô e Vera se comprometeu a manter, mas cortou. Isso foi um baque financeiro muito grande pra mim", diz kadu.

Apesar do corte, ele não se afastou da viúva. "Continuamos próximos e não sou nem um pouco beneficiado por isso." Diz atender a um desejo do avô. "Ele sabia que meus irmãos iriam com tudo pra cima dela e me pediu: 'Não deixa a Vera desamparada'."

Herdeiros Niemeyer

CORRENDO ATRÁS

Enquanto aguarda o desenrolar do inventário, Kadu corre atrás do prejuízo.

"Eu tinha um padrão de vida e hoje tenho dificuldade para manter minha casa em um condomínio caro." Ele diz estar longe de tirar como taxista os R$ 15 mil de antes.

"É uma profissão digna como qualquer outra. Já deu muito dinheiro, hoje não."

Seu colega de ponto, Juliano Costa, diz que se assustou quando descobriu a "linhagem nobre" de Kadu. "Ele é anônimo, Niemeyer é que era conhecido. Nem notei a semelhança no começo e olha que é grande."

Para trocar o seu velho Meriva que estava com 600 mil quilômetros rodados e vivia na oficina, Kadu contou com a ajuda providencial do neurocirurgião Paulinho Niemeyer.

O primo desembolsou R$ 40 mil na compra de um Renault Megane (2012).

Foi a bordo do novo táxi que ele levou um casal de arquitetos franceses para conhecer alguns dos marcos da arquitetura de Niemeyer no Rio.

Entre eles, a Casa das Canoas, projetada em 1952 para moradia da família e que está fechada para reforma.

ATENDIMENTO EM FRANCÊS

Kadu se comunicou com os clientes em francês, língua que aprendeu quando viveu em Paris com o avô na década de 1970. E festejou em bom português os R$ 200 que ganhou pela corrida especial.

"Não poderíamos ter encontrado um guia melhor", diz Ettienne de Longvilliers, 32, que veio ao Brasil em lua de mel com a mulher, Clélie.

Eles chegaram ao taxista com o sobrenome do mestre que estudaram com paixão na faculdade de arquitetura de Versalhes por meio de uma cunhada de Kadu.

"Niemeyer não é só avô dele é avô de todos", diz Clélie, 30, que se deliciou ao entrar em uma dimensão íntima de um arquiteto famoso pela monumentalidade da obra.

Elogios que encheram de orgulho o neto de verdade que tatuou no antebraço a imagem da Pampulha, um dos projetos icônicos do avô, e a assinatura de Niemeyer.

"Tudo o que sei aprendi com meu avô. Ele foi meu pai, meu amigo", emociona-se Kadu.

"Lógico que a gente comete erros, mas aprendi com ele a ser uma pessoa que se interessa pelos amigos, que procura ajudar e buscar uma fórmula de um mundo melhor. É esse o legado que o meu dindo me deixou."


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