Folha de S. Paulo


O forno de micro-ondas que abalou a astronomia

Desde 1998, a descoberta de uma série de sinais vindos do espaço feita pelo Observatório de Parkes, na Austrália, tem intrigado astrônomos. Batizados de FRBs (sigla em inglês para "explosões rápidas de rádio") esses pulsos de onda detectados pelo radiotelescópio da instituição têm origem ainda desconhecida.

Alguns físicos acreditam que essas emissões de ondas eletromagnéticas extremamente fortes e breves, durando menos que 0,1 segundo, possam ser geradas por fenômenos violentos como a colisão de estrelas de nêutrons ou a explosão espontânea de buracos negros. Parte das explosões detectadas por Parkes foi confirmada por outros radiotelescópios, como o de Arecibo, em Porto Rico, o que deu confiança aos astrônomos de que estavam enxergando algo real.

Mas em 2010, algo estranho começou a ocorrer. Uma série de sinais similares às FRBs começou ser registrada nos radiotelescópios de Parkes, numa taxa muito mais frequente do que antes. Em apenas um ano, 16 explosões foram captadas. Como fenômenos similares não eram vistos em outros observatórios, os australianos logo descartaram essa nova leva de detecções como sendo algo originado fora da Terra, e batizaram esses fenômenos de perytons, para separá-los das FRBs.

Para tirar a dúvida, os cientistas resolveram conduzir uma investigação, e o primeiro suspeito de ser a fonte das explosões era um forno de micro-ondas que ficava na copa do observatório. As ondas eletromagnéticas emitidas para esquentar comida são de um comprimento próximo ao das ondas de rádio detectadas pelos equipamentos de Parkes, e talvez isso fosse o problema. Foram feitos testes com o micro-ondas sendo ligado durante a atividade do radiotelescópio, mas o eletrodoméstico acabou sendo inocentado da suspeita.

E nada foi encontrado. Quatro anos se passaram com a dúvida no ar, alimentando o tipo de incerteza que caçadores de OVNI gostam de interpretar como sendo mensagens interplanetárias. Pior que isso, os perytons viraram uma praga para os astrônomos, que desconfiavam da veracidade de cada uma das explosões de rádio que estavam detectando. Uma dessas explosões, catalogada com a sigla FRB010724, era extremamente parecida com um peryton. Até que então, após mais uma bateria de investigações, o grupo de Parkes matou a charada.

Alguns técnicos do observatório tinham a mania de ligar o micro-ondas para esquentar suas refeições e abrir a porta do aparelho de repente, sem esperar o contador zerar. Isso fazia um pulso de ondas escapar do forno e perturbar os radiotelescópios, que registravam um sinal bastante parecido com certas FRBs, mas só quando estavam em uma posição específica.

"Agora que a fonte dos perytons foi identificada, nós ainda demonstramos que os micro-ondas no local não poderia ter causado FRB 010724", escreveu um grupo de cientistas de Parkes em um estudo liderado pela astrônoma Emily Petroff, publicado no site Arxiv.org. "Essa e outras diferenças observacionais distintivas mostram que FRBs são excelentes candidatos a genuínos eventos extragalácticos transitórios."

CORTADOR DE GRAMA

O forno micro-ondas de Parkes, porém, parece não ser o único eletrodoméstico no mundo capaz de incomodar astrônomos. A revista Spectrum, do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos, revelou neste ano que o NRAO (Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA) está em guerra contra um cortador de grama automático.

O aparelho –que está sendo desenvolvido pela iRobot, mesma empresa que fabrica o aspirador-robô Roomba– usa uma frequência de rádio na faixa dos 6500 MHz para se comunicar com as antenas de jardim que o orientam. Essa é exatamente a mesma faixa eletromagnética em que os grandes radiotelescópio operam. Segundo os astrônomos, qualquer cortador de grama tão distante quanto 90 km de um observatório pode vir a causar problemas.

A briga entre a iRobot e o NRAO começou em fevereiro, e a Comissão Federal de Comunicações dos EUA ainda está decidindo se libera ou não a faixa de rádio requerida pelos criadores do cortador de grama.

COCÔ DE POMBO

A preocupação dos astrônomos em eliminar toda possível fonte de interferência em torno de seus experimentos é que eles sabem que nem todo ruído é desprezível. E isso já se sabe desde os primórdios da radioastronomia.

Em 1964, quando Robert Wilson e Arno Penzias instalaram o primeiro grande radiotelescópio sensível a micro-ondas nos EUA, em Holmdel, Nova Jersey, o projeto parecia ter sido um fracasso. Sua grande antena não parava de captar uma radiação de fundo, e os cientistas saíram em busca de descobrir o que estava interferindo no trabalho.

Sem encontrar nada, cogitaram se o problema não estava sendo causado por cocô de pombo. Duas aves haviam feito ninhos na estrutura do radiotelescópio, e a dupla de astrônomos armou uma armadilha para capturá-las. Depois, limparam todos os dejetos que os pássaros havia depositado na antena.

Mas o problema persistiu. Só depois de uma conversa com o astrônomo Robert Dicke é que os dois se deram conta de que o sinal de micro-ondas captado em Holmdel era na verdade a chamada "radiação cósmica de fundo". Em outras palavras, essa radiação era a primeira evidência observacional de que o Universo iniciou numa explosão, o Big Bang, que deixou depois essa energia residual no espaço.

A moral da história é que um ruído desconhecido sempre vai deixar os radioastrônomos com a pulga atrás da orelha, até que a fonte de interferência (ou sua origem cósmica) seja identificada.


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