Folha de S. Paulo


Resposta da moda sobre assédio sexual dirá se discurso engajado é real

Nenhuma indústria parece ser tão cúmplice quanto vítima dos assédios moral e sexual cometidos por seus estetas quanto a da moda.

Muito antes de estourar o caso do produtor de cinema Harvey Weinstein, abusador de dezenas de atrizes, o fotógrafo Terry Richardson já colecionava relatos de garotas que o acusavam de abordagens impróprias; agentes de desfiles já eram desmascarados por deixarem modelos à míngua; e sabia-se de estilistas que coagiam membros de sua equipe.

Diferentemente dos casos do cinema, que ganharam investigação minuciosa da imprensa e a atenção da opinião pública, os da moda permaneceram enlameados pela soma da inércia da mídia especializada com a política de silêncio nos bastidores dos rega-bofes das semanas de moda.

Surdo e mudo, o mundinho "fashion" esperou de braços cruzados a bolha estourar para tomar alguma providência. O anúncio da editora Condé Nast, dona das revistas "Vogue" e "Vanity Fair", de banir Terry Richardson de suas páginas poderia ter acontecido em 2010, quando a modelo Jamie Peck se tornou a primeira a denunciar as apalpadas e investidas do fotógrafo.

Ou quando a ex-modelo Sara Ziff fundou a ONG The Model Alliance, no mesmo ano da denúncia de Peck, para auxiliar modelos a lutar por seus direitos, mantendo-se como voz solitária até quando estouraram, neste ano, casos de maus-tratos nos processos seletivos da grife Balenciaga.

Ainda que tardio, o posicionamento da editora americana é fato isolado no círculo da moda. As varejistas Target, H&M e Aldo já haviam cortado relações com Richardson em 2013, temendo uma possível reação negativa dos consumidores, mas as grifes de nicho do circuito de luxo preferiram fechar os olhos para sua conduta. Agiram só agora, depois do furdunço cinematográfico. Valentino e Bulgari foram as primeiras marcas a anunciar que não contratariam o fotógrafo para campanhas.

Agora, outro medalhão da indústria, o fotógrafo Bruce Weber, assíduo nas páginas da mesma Condé Nast que baniu Richardson, foi acusado pelo modelo Jason Boyce de assediá-lo durante um ensaio em 2014. Neste mês, Mark Ricketson, 31, fez a mesma acusação contra Weber, que teria abusado dele em 2005, quando o modelo tinha 18 anos.

No círculo dos profissionais de alto nível, a famosa "panelinha", a perda de uma mão talentosa diminui as opções, mas não causa traumas. A de duas, no entanto, torna-se um problema quando a lista se resume a pouco mais de dez nomes, entre duplas e fotógrafos solo.

Ainda não há nem uma faísca sequer de nota, comunicado ou posicionamento sobre o caso de Weber, uma das raríssimas celebridades da fotografia de moda masculina. O caso é recente, mas seus desdobramentos, em 2018, serão a prova de fogo para todo o discurso engajado da moda em 2017.

O próximo ano definirá se o empoderamento, o feminismo e a dignidade humana cantada nos desfiles –o grupo Kering e LVMH, por exemplo, anunciaram neste ano um pacote de medidas para proteger contratos e a saúde de seus modelos– são conceitos genuínos ou embalagem midiática, se são leis de conduta ou máscaras de bom-mocismo, se a moda passa de fato por uma mudança estrutural ou só via tudo como mais um modismo.


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