Folha de S. Paulo


Artimanhas podem fazer da M.Officer exceção na punição a trabalho escravo

As punições às grifes e varejistas envolvidas em trabalho escravo no Brasil voltaram ao noticiário. Mas a provável queda da M.Officer, que na última terça-feira (8) perdeu em segunda instância o processo movido pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo e que, por isso, deve ter o registro de ICMS no estado cassado por até dez anos, tem tudo para virar exceção.

Além da tentativa do Ministério do Trabalho de flexibilizar o conceito de trabalho escravo, as operações em oficinas de costura são reféns das artimanhas jurídicas e da experiência dos donos de confecções com o "modus operandi" das diligências e dos meios que comprovam o flagrante.

Dois procuradores ouvidos pela coluna apontaram que as marcas estão deixando de pedir às oficinas que costurem etiquetas e aviamentos nas roupas. Principais provas para a abertura de uma ação, as peças agora são finalizadas nas sedes das empresas ou em confecções monitoradas pela marca.

Os "quarteirizados", na maioria das vezes contratados pelos fornecedores diretos da grife e cuja responsabilidade pelos funcionários o MPT entende também ser da marca, não tocariam no nome da grife em nenhum estágio do processo de feitura da roupa.

Sobrariam como provas detalhes de moldes e ordens de serviço por escrito, papéis que em alguns casos não são tão simples de conseguir em caso de resgate de trabalhadores.

Regiões de comércio popular conhecidos por até pouco tempo abrigarem oficinas clandestinas, como o Bom Retiro, na região central, e Brás, na zona leste, estariam fora do mapa das novas confecções, agora instaladas em regiões periféricas da Grande São Paulo.

As dificuldades em conduzir investigações pontuais e a falta de provas fizeram os procuradores se debruçarem em investigações mais amplas, que não identifiquem apenas uma ou duas oficinas, mas "cabeças" por trás de redes de confecções.

Também pesa na identificação das marcas que subcontratam ou mantêm trabalhadores em condições precárias o fato de a maior parte das peças serem produzidas fora do estado de São Paulo.

Ou seja, uma marca que teve seu nome envolvido em diligência pode alegar na Justiça que problemas com apenas uma oficina não representam sua cadeia produtiva e que não poderia saber que seu fornecedor direto subcontratou outra confecção —essa é a alegação mais comum.

A reincidência de casos mostra a complexidade do tema e como a investigação constante é a única alternativa para erradicar a prática.

A Zara Brasil, uma das primeiras da onda de diligências no setor da moda nesta década, firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), em 2011, após 15 trabalhadores bolivianos e peruanos serem resgatados de sua linha de produção.

Neste ano, o MPT oficializou um novo TAC, cujos termos ampliam a responsabilidade da empresa sobre seus contratados, após uma auditoria constatar que, mesmo após o acordo, a marca manteve 433 irregularidades em sua cadeia produtiva, como excesso de jornada e trabalho infantil.

Sem fiscalização rígida e leis que responsabilizem marcas por problemas em toda sua cadeia produtiva, não será surpresa encontrar no Brasil bilhetes como os dos trabalhadores de uma confecção turca terceirizada pela Zara no país. Sem ter a quem recorrer, eles pregaram nas etiquetas escritos como "eu fiz esse item que você comprará, mas não fui pago por isso".

Após o episódio, a espanhola Inditex, dona da marca de fast-fashion, pagou todos os funcionários da oficina e criou um fundo para indenizá-los.

O ponto nevrálgico dessa questão é que, para empresas de moda com distribuição massiva, a soma dos custos da benevolência com os de limpeza da imagem pública ainda é infinitamente mais barata do que a assinatura de uma lei áurea.


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