Folha de S. Paulo


Será que Trump é tão diferente dos demais republicanos?

Desde a eleição presidencial do ano passado, diversos membros da elite republicana vêm lastimando publicamente o que aconteceu ao seu partido. George W. Bush chegou a lamentar que ele pode ter sido "o último presidente republicano", já que Donald Trump representa algo completamente estranho às tradições republicanas.

Mas será que Trump é realmente diferente? Ele é mais cru, mais rude e menos competente do que seus predecessores republicanos —embora quanto a esse último ponto não devamos esquecer a desastrosa ocupação do Iraque e a resposta fracassada ao furacão Katrina, no governo Bush. No entanto, existe muito mais continuidade do que os críticos conservadores gostam de admitir. Se os valores de Trump parecem estar tomando o Partido Republicano, isso acontece porque em muitos casos eles já são os valores do partido.

O que, afinal, defende o moderno —e por moderno quero dizer pós-Reagan— Partido Republicano? Um cínico poderia responder que ele basicamente serve aos interesses da elite econômica enquanto conquista votos da classe trabalhadora branca explorando preconceitos raciais ocultos. E é bem possível que o cínico esteja certo.

E se é isso que o republicanismo moderno realmente representa, o que mudou na era Trump? Considere duas histórias que ocupam o noticiário nos últimos dias: o plano republicano de reforma tributária e a campanha que Ed Gillespie, um homem muito experiente nas manobras de bastidores republicanas, está conduzindo na disputa pelo governo estadual da Virgínia.

Quanto ao plano para os impostos: é bom que as análises noticiosas insistam em nos dizer que Trump é populista, porque ninguém suspeitaria que fosse esse o caso, com base no plano do seu partido para os impostos (ou para a saúde, ou, aliás, no caso de qualquer de suas políticas).

É verdade que o plano contém algumas reduções iniciais de impostos para as famílias de renda média, mas estas diminuem ou desaparecem, com o tempo. De acordo com o Joint Committee on Taxation, uma organização de pesquisa tributária sem filiação partidária, quando os efeitos da nova lei estiverem plenamente em vigor, os milionários desfrutariam de imensas vantagens tributárias —ainda maiores se levarmos em conta a revogação do imposto sobre heranças— e a grande maioria da população teria benefícios mínimos. Na verdade, dezenas de milhões de famílias de classe média e da classe trabalhadora pagariam mais impostos, o que é especialmente espantoso já que estamos falando de um projeto de lei que elevaria o deficit público norte-americano em US$ 1,5 trilhão.

Mas estudar a maneira pela qual as diferentes faixas de renda se sairiam é apenas uma parte da história. Mesmo entre os norte-americanos de alta renda, o plano parece projetado para recompensar as pessoas que não ganham a vida trabalhando —ou, mais precisamente, quanto menos você fizer para ganhar seu dinheiro, maior a isenção fiscal de que desfrutará. Os donos de empresas pagariam menos impostos do que os profissionais liberais de alta renda. E os herdeiros ricos, que nada fizeram para merecer sua riqueza exceto escolher pais ricos, não pagariam imposto algum.

E tem mais. Você pode ter ouvido que o plano poria fim às deduções para impostos estaduais e municipais de vendas— o que é verdade, se você for um trabalhador norte-americano comum. Mas se você for dono de empresa - ou conseguir fingir que é dono de uma empresa, já que a lei criaria novas e imensas oportunidades de evitar impostos -, continuará a poder deduzir esses impostos como despesas de negócios.

Em resumo, a política tributária de Trump é tão elitista, ou até mais elitista e antipopulista, do que as políticas de governos republicanos precedentes. O tempo passa e nada muda.

Mas e quanto ao nacionalismo branco mais ou menos escancarado de Trump? Isso não seria uma diferença? Bem, o quanto isso difere de Ronald Reagan e suas queixas sobre mães solteiras que viviam da previdência social e dirigiam carros de luxo, ou do comercial de campanha de George Bush pai que destacava o perdão a Willie Horton? E não precisamos discutir o passado, de qualquer forma: basta ver a campanha que Ed Gillespie vem conduzindo na Virgínia nos últimos meses.

Gillespie, como eu já disse, é um experiente operador de bastidores republicano, antigo presidente do comitê nacional do partido e assessor de George W, Bush. Assim, o fato de que ele venha conduzindo uma campanha cujo único foco é promover a hostilidade racial revela o quê, sobre a elite do Partido Republicano e seus valores? Nas palavras do "Washington Post", "a orientação de sua campanha não é exatamente um apelo mudo às porções intolerantes e racialmente ressentidas da base republicana. É mais como se fosse um cântico de acasalamento".

Isso quer dizer que Gillespie enfrentou fortes críticas da elite republicana por travar uma campanha como essa? Não —algumas figuras menos importantes expressaram reprovação amena, mas aqueles cuja condenação poderia fazer diferença mantiveram o silêncio.

O fato é que se os republicanos que dizem "Trump nunca" estivessem realmente interessado em expurgar as ideias de Trump de seu partido, estariam apelando aos eleitores que rejeitassem Gillespie por suas táticas vis. Esta coluna foi escrita antes da votação na Virgínia, mas Gillespie ainda pode vencer —e se o fizer, o Partido Republicano será ainda mais o partido de Steve Bannon. Mas quantos dos líderes republicanos se pronunciaram para dizer que é preciso que Gillespie seja derrotado, se o partido não quer perder a alma? Quase nenhum.

Ah, e se você vive na Virgínia, e estiver lendo o que digo, e ainda não votou, por favor, vote. Essa eleição é extremamente importante, e seria uma vergonha —uma tragédia, na verdade— se o resultado for determinado pelas pessoas que prefeririam não ir às urnas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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