Folha de S. Paulo


Nem esperança nem equilíbrio

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Vista aérea da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
Vista aérea da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

Recentes operações policiais mirando supostas irregularidades em universidades públicas provocaram reações contundentes de leitores. Atacam a Polícia Federal, o Ministério Público e seus métodos.

Reclamam de a Folha simplesmente reproduzir a versão da acusação, sem dar visibilidade e espaço às justificativas dos acusados. Queixam-se de que o jornal adere, de algum modo, ao que parte dos leitores acredita ser uma campanha contra a universidade pública.

Em um ano, desde o final de 2016, pelo menos seis operações policiais espetaculosas foram deflagradas em investigações de eventuais irregularidades. A imagem de policiais fardados e armados em campus universitário não traz boas recordações. Remete para muitos à ditadura militar, contra a qual grande parte da universidade se insurgiu.

Faz-se necessário rápido resumo das operações policiais a que me refiro. Em dezembro de 2016, a Operação PhD apurou eventual desvio de recursos de programas de incentivo à pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em fevereiro de 2017, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas da União deflagraram a Operação Research, que apurava suposto repasse irregular de recursos mediante pagamentos sistemáticos, fraudulentos e milionários de bolsas a pessoas sem vínculos com Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em setembro, o alvo da PF foi a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) durante a Operação Ouvidos Moucos. O reitor Luiz Carlos Cancellier foi preso, acusado de atrapalhar as investigações de irregularidades na concessão de bolsas para ensino a distância. Tornou-se a operação policial mais contestada até aqui, porque levou ao suicídio de Cancellier.

Em novembro, a Operação Estirpe apurou superfaturamento e fraudes na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

No mesmo mês, um ex-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi acusado de receber propina de gráfica numa licitação para impressão e distribuição de provas de concursos e vestibulares, no âmbito da Operação Acrônimo.

Na semana que passou, nova operação da PF e da CGU na UFSC –Torre de Marfim – foi deflagrada com o objetivo de apurar patrimônio incompatível de servidores.

Por fim, a Operação Esperança Equilibrista, que investiga o suposto desvio de recursos públicos na construção do Memorial da Anistia Política, levou à condução coercitiva de reitor e professores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), gerando fortes protestos da comunidade acadêmica.

A ocorrência frequente de operações policiais em ambiente antes banhado em aura de superioridade moral obriga a maior reflexão.

A primeira impressão é a de que a Folha, em particular, não dedicou a prioridade necessária a operações policiais –tecnicamente corretas ou não– no meio em que vive grande parte de seu público-alvo e que vive com orçamentos à míngua.

É claro que nenhuma instituição está a salvo de irregularidades nem merece ser tida como intocável.

No entanto, amplia-se a opinião de que há uma banalização do instrumento das prisões temporárias no país. Pede-se com frequência que as conduções coercitivas sejam consistentemente justificadas. As operações não deveriam se transformar em cena de série policial. A imprensa tem responsabilidade na forma como divulga essas ações policiais.

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O reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramirez, foi alvo de condução coercitiva para prestar depoimento
O reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramirez, foi alvo de condução coercitiva para prestar depoimento

Para o editor de "Cotidiano", Eduardo Scolese, a cobertura segue o mesmo critério jornalístico de outras ações policiais e não há adesão à qualquer campanha. "Publicamos o fato, as alegações da corporação e os outros lados dos citados."

É preciso tirar do chamado piloto automático a cobertura das operações policiais, de seus agentes e de seus métodos. Tais ações têm evidente interesse público. Cabe à imprensa cobrar de investigados e investigadores. Leitores questionam como lidar com as operações de modo a analisá-las também por eventuais inconsistências, arbitrariedades, objetivos políticos. Além de avaliar sua divulgação ou não.

Que instrumentos os jornalistas precisam ter para tal?

Em um país com a cultura de corrupção arraigada, a presunção da inocência por vezes parece deixada de lado. A imprensa não pode embarcar no clima que domina parcela da sociedade brasileira de acreditar que todos são corruptos, até que provem não sê-lo.

Chegou o momento de jornais e jornalistas aprofundarem discussões e reverem os procedimentos que adotam ao divulgar investigações do Ministério Público e das instituições policiais.

A imprensa precisa estar preparada para não ser apenas reprodutor de informações passadas por procuradores e policiais, por vezes de maneira incompleta ou manipuladora. É preciso investigação própria e uma narrativa crítica, fundamentada em fatos e equilibrada.

Que papel jornalistas e jornais pretendem assumir num mundo cada vez mais radicalizado, com condenações sumárias? São respostas que proponho que leitores e jornalistas busquem e debatam na tentativa de refletir sobre a gravidade do momento que o país vive.


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