Folha de S. Paulo


Perigosas armadilhas virtuais

A imprensa tornou-se alvo prioritário de grupos extremistas que buscam desacreditá-la. Nas últimas semanas, vieram à luz tentativas alarmantes de minar a credibilidade de repórteres e jornais.

A mais recente foi a ação de grupo de ativistas conservadores que tentou induzir o jornal norte-americano "The Washington Post" a publicar informações falsas contra um político republicano. São integrantes de organização chamada Projeto Veritas, que anuncia ter como objetivo expor a parcialidade da mídia e denunciar suas fragilidades.

A tentativa fracassada foi revelada pelo próprio jornal, que publicou detalhes das armadilhas às quais foi exposto. Em resumo, uma mulher tentou convencer o "Washington Post" de que Roy Moore, candidato republicano ao Senado pelo Estado do Alabama, a havia engravidado quando ela era adolescente.

Ao longo de duas semanas, ela contou uma história dramática sobre um suposto relacionamento sexual com Moore em 1992, quando contava 15 anos. Durante as entrevistas, pressionou repetidamente os repórteres do jornal a expressar sua opinião sobre o efeito que suas declarações teriam sobre a candidatura de Moore, quando viessem a público. Pretendia denunciar os preconceitos dos jornalistas contra candidatos conservadores.

Além de militantes engajados contra si, a imprensa vive até sob o escrutínio de espiões profissionais com o objetivo de desmoralizá-la.

Em novembro, a revista "New Yorker" revelou que Harvey Weinstein, o magnata de Hollywood acusado de assédio sexual, havia contratado agentes secretos para espionar e oferecer pistas falsas a jornalistas, como forma de desviá-los do foco principal da notícia. Buscava impedir que a revista e o "New York Times" publicassem os resultados de suas investigações que mostravam acusações de agressão e assédio sexual contra Weinstein.

São apenas os dois casos mais recentes expostos, mas estão longe de ser iniciativas isoladas.

Alguns anos atrás, John Bohannon, doutor em biologia molecular e jornalista, tentou provar que a mídia não tem critérios elevados e é facilmente enganada. Falsificou um estudo que afirmava que chocolate poderia ajudar no emagrecimento, inventando um instituto de pesquisa como patrocinador do levantamento. O resultado foi publicado em veículos de mais de 20 países, entre eles a Folha.

Tecnologias mais sofisticadas multiplicam as possibilidades de fraude e dificultam a detecção de tentativas de desacreditar a mídia.

O criador do Facebook, Mark Zuckerberg, demonstrou que a nova tecnologia de realidade aumentada permite aos usuários, por exemplo, "adicionar" recursos e filtros para suas imagens ou vídeos. O exemplo dado foi inofensivo: adicionar mais vapor à imagem do café da manhã. É fácil imaginar opções malignas.

Dezenas de empresas oferecem serviços que, por meio de robôs e programas de computador, criam falsas tendências de assuntos nas redes sociais, manipulam opiniões, inventam usuários e inundam o mundo virtual de notícias falsas.

Meu objetivo aqui é alertar os leitores sobre os riscos do consumo virtual de informações e o desafio, que se renova, do fazer jornalístico.

Nas eleições brasileiras, não é novidade a contratação de brigadas jornalísticas que atuam nas sombras para alvejar ideias e adversários. O que surge de novo é a gama de formas como podem atuar, de armadilhas que podem tecer e de constrangimentos que podem gerar.

Os jornais têm de se preparar para as novas frentes de batalha. Promover autovigilância contra facilidades plantadas para enganar jornalistas, redobrar controles editoriais de qualidade, procurar refinar e qualificar as equipes, esses serão passos necessários no combate aos inimigos do bom jornalismo.

Ações deliberadas para enganar jornalistas devem ser a preocupação número um da imprensa baseada na realidade -tomando emprestada expressão da crítica de mídia Margareth Sullivan.

Transparência torna-se valor cada vez mais essencial.

Na ficção cientifica, é costume o futuro parecer sombrio. Alguns projetam o jornalismo a ser exercido por computadores, por meio de inteligência artificial. Disso, estamos razoavelmente distantes. Mas novas armadilhas já nos espreitam à moda da distopia do Grande Irmão.


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