O complexo de campos de refugiados de Dadaab, no Quênia, tem 245 mil pessoas. Mais de 95% são somalis que fugiram da seca, da fome, da guerra e do terrorismo da milícia extremista Al Shabab.
Durante mais de 20 anos, Dadaab foi o maior campo de refugiados do mundo. Recentemente foi ultrapassado por Bidi Bidi, em Uganda, onde o fluxo maciço de sul-sudaneses levou o campo a inchar para 270 mil pessoas.
A fome na Somália, no Sudão do Sul, na Nigéria e no Iêmen ameaça 20 milhões de pessoas. Segundo a ONU, trata-se da maior crise humanitária da história. Só na Somália e no Sudão do Sul, 13,5 milhões estão passando fome. Há o perigo de uma situação semelhante à de 2011, quando 250 mil pessoas morreram de inanição na Somália.
E diante dessa catástrofe iminente, como reage a comunidade internacional? A ajuda para a África está encolhendo, em vez de aumentar.
Usemos o exemplo do Quênia, que absorve boa parte dos centenas de milhares de refugiados somalis e sul-sudaneses.
No ano passado, dos US$ 272 milhões necessários para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, o Acnur, administrar os campos do Quênia, só 38,4% foram doados. Mais de 60% das doações vieram dos EUA.
Neste ano, de acordo com relatório do Acnur de 14 de fevereiro, dos US$ 215,2 milhões necessários para 2017 (incluindo os recursos específicos para cuidar das crises humanitárias do Sudão do Sul e da Somália, que têm reflexo no Quênia), só 2% haviam sido doados. Os Estados Unidos não haviam doado nenhum centavo. Houve redução no número de refugiados nos campos em Dadaab porque o governo queniano acelerou um processo de repatriação "voluntária" de somalis.
A situação do campo, administrado pelo Acnur, é alarmante.
De dezembro de 2016 até abril deste ano, o World Food Program (WFP), que distribui os alimentos para os refugiados no campo, cortou a "ração" pela metade, por falta de recursos. As refeições com lentilhas, farinha, feijão e óleo eram distribuídas a cada quinze dias, mas os refugiados passaram a receber seus alimentos apenas uma vez no mês.
Em abril, alguns doadores reagiram aos apelos do WFP, entre eles os EUA, e a distribuição voltou ao normal. Mas pode voltar a ser reduzida no mês que vem.
Como se tudo isso não bastasse, o presidente Donald Trump já anunciou que um dos principais alvos de corte no Orçamento americano é a ajuda externa, que deve cair mais de 30%. Segundo documento preliminar obtido pela Foreign Policy, os recursos americanos para o Quênia podem cair 1.8% neste ano, embora as necessidades estejam crescendo muito por causa das crises na Somália e Sudão do Sul.
No Sudão do Sul, a ajuda sofreria um corte de 11,7%. Só para a Somália haveria aumentos de recursos, basicamente porque os EUA voltariam a fazer doações. Na fome de 2011, o governo americano cortou a ajuda para não financiar indiretamente o Al Shabab, que desviava parte dos alimentos. Esse corte de doações piorou uma situação que já era grave.
Enquanto isso, nos EUA, o governo se prepara para destinar mais US$ 120 milhões para cobrir os custos de proteção (com serviço secreto e outros) do presidente Donald Trump e sua família. Como a primeira família divide seu tempo entre três lugares –Casa Branca, Trump Tower, em Nova York, e Mar a Lago, na Flórida– aumentaram muito os custos.
Só com o aumento das despesas com a segurança da primeira família no glamour de NY e Palm Beach seria possível cobrir quase metade do orçamento do Acnur para o Quênia.