Folha de S. Paulo


Reforma da Previdência: oposição retórica manipula o público

No mês passado, o ex-ministro Nelson Barbosa lembrou, em sua coluna na Folha, que a versão da reforma da Previdência que o governo Temer quer aprovar em fevereiro é bastante parecida com a reforma que seria apresentada pelo governo Dilma.

Em suas palavras: "As principais linhas da reforma devem ser a recuperação da receita do INSS, o aumento do tempo mínimo de contribuição, a fixação de idade mínima para a aposentadoria e, mais importante: o alinhamento entre as regras aplicáveis a trabalhadores do setor público e do setor privado. Tudo isso já fazia parte da proposta de reforma de Previdência em construção pelo Ministério da Fazenda no início de 2016."

Quem vê essa afirmação, publicada no maior jornal do país pela mais alta autoridade econômica do governo Dilma, pode ficar sem entender a dura oposição que o PT tem feito à reforma.

Tanto a administração Lula como a administração Dilma fizeram propostas para reformar a Previdência. A primeira delas, apresentada e implementada por Lula em 2003, equiparou as regras do regime dos servidores do setor público ao dos trabalhadores do setor privado.

Já a proposta de Dilma, que não chegou formalmente a ser apresentada devido ao processo de impeachment, tinha como objetivo o aumento do tempo de contribuição e a fixação de uma idade mínima.

Por que então, quando na oposição, o PT se esconde atrás do discurso de que não há deficit da Previdência e de que a reforma apenas retira direitos?

A resposta não é difícil de encontrar. Reformar a Previdência é impopular porque torna mais difícil ou reduz a remuneração da aposentadoria dos trabalhadores. Todos nós, quando atingirmos uma idade na qual não poderemos mais trabalhar, queremos ter direito a viver com dignidade, independência e segurança econômica. As reformas que têm sido propostas tornam essa expectativa de direito distante e incerta, despertando rejeição popular.

Essa rejeição dificilmente deixaria de ser utilizada por uma oposição que não carrega o ônus da responsabilidade do Poder Executivo. Por isso, vemos essa dualidade no tratamento do problema previdenciário quando a esquerda é governo e quando a esquerda é oposição.

Os efeitos dessa dualidade não são apenas incoerência e desfaçatez, mas também uma espécie de manipulação do público e uma alienação da cidadania que, enganada por um discurso de ocasião, vê reduzida sua capacidade de controlar as políticas.

Quando vamos discutir a Previdência, em vez de discutirmos as fontes dos recursos, o padrão de envelhecimento da população, a contração do trabalho formal e explorarmos as diferentes soluções –tanto as tradicionais, como as heterodoxas– ficamos em um debate vazio no qual a oposição utiliza argumentos que jamais levará em consideração quando estiver no poder.

E a imprensa, é preciso dizer, contribui para a pobreza do debate público quando, sob o pretexto de se concentrar nos atores "responsáveis", apresenta sem qualquer contraponto apenas a solução ortodoxa dos governantes de plantão.

Assim, a escolha das alternativas realistas e factíveis é deslocada para fora da esfera pública, para a negociação sem princípios entre os partidos, em combinação com as recomendações tecnocráticas dos especialistas –em todo caso, bem longe do espaço público no qual pode ser acompanhado e controlado pela cidadania.

Precisamos encontrar uma maneira de fazer esse debate de uma maneira responsável, na qual as respostas vazias e retóricas utilizadas para mobilizar a militância, não sejam, ao final, um meio pelo qual a legítima preocupação popular com a garantia da aposentadoria seja anulada e excluída do debate.


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