Folha de S. Paulo


Anos dourados

Vou correr a meia maratona em Amsterdã. Para superar esses 21 quilômetros, minha vida vai mudar, minha boca vai mudar, meu corpo vai mudar. Para pensar diferente, você tem que mudar o comportamento. E todos nós precisamos mudar porque a mudança é o novo.

Na publicidade, mudança é partícula fundamental do ar. A multiplicação das telinhas em toda parte, o tempo todo, das circunstâncias mais triviais às mais solenes, é uma forma fácil de entender como estamos mudados, como o futuro é presente.

Só não podemos exagerar no futurismo. Afinal, você só consegue falar do futuro falando com o passado. Os blocos são o último grito do Carnaval, mas eles eram exatamente isso na metade do século passado. E o "storytelling" não pode ser uma grande novidade. E a Bíblia? Os contos de Machado de Assis?

A publicidade mudou muito nas últimas décadas. Quando a TV se estabeleceu com velocidade a partir dos anos 1950, publicitários e agências não só se adaptaram rapidamente como usaram a nova mídia para inovar, criar peças memoráveis e gerar valor e negócios com eficiência muito maior.

O que mudou agora foi o ritmo das inovações tecnológicas, que rodam na batida do chip mais rápido. Novos recursos são logo envelhecidos por recursos ainda mais potentes e populares. Mídias criadas por 15 "nerds" nos vales do silício do mundo atingem centenas de milhões de usuários em meses, deslocando públicos e agendas. O "big data" nos permite conhecer a fundo e estabelecer novas conversações com os consumidores. Como estratificador de públicos, a gestão de dados é um multiplicador de mensagens, ideias e campanhas. Ela divide para multiplicar.

Por isso esta é nossa hora mais interessante. A era dourada da propaganda. Ao contrário dos pessimistas de plantão, que viam nas novas formas de pensamento, comportamento e comunicação golpes mortais na publicidade, ela mudou e ganhou relevância. E a publicidade não deve mais promover o consumo, mas o consumo consciente.

Nesse mundo hiperconectado e hiperinformado, a necessidade de marcas e organizações se comunicarem só pode crescer. É preciso mais intensidade e mais eficiência. Qualquer erro será exposto e decomposto à luz dos googles da vida, o que só aumenta a responsabilidade.

Vivemos numa revolução humana, que é por isso também comercial e industrial. Os homens estão pensando diferente, agindo diferente, produzindo diferente e consumindo diferente. E fazendo propaganda diferente.

Mas não se iluda: a nova propaganda é a alma do novo negócio.

Nosso setor foi duplamente abalado. A maior crise do capitalismo em décadas se sobrepôs às mudanças profundas que já chacoalhavam a comunicação. Testada, a publicidade se mostrou mais uma vez forte e resistente. Não houve quebra de grandes grupos publicitários nem de grandes agências, ao contrário do que ocorreu em muitos setores da economia. E a publicidade não só saiu com poucas perdas como reagiu à nova comunicação com criatividade, inovação e gestão.

Mudou e se enquadrou, de novo, na ponta do novo.

Os resultados estão aparecendo de forma cada vez mais clara. O tsunami digital que parecia ameaçar a propaganda está se transformando numa onda propulsora na qual as boas agências e os bons publicitários, muitos deles brasileiros, surfam como Gabriel Medina.

Nos Estados Unidos, onde ainda quase tudo começa, ou recomeça, a publicidade teve ano excelente em 2014, recuperando-se junto com a economia americana e mostrando que as novas ferramentas digitais não são a nova trincheira, mas a nova fronteira.

A publicidade não ficou para trás, pelo contrário. Ela caminha fortalecida para o futuro, com muito mais recursos para inovar e fazer negócios. A realidade mostra que nunca se investiu tanto e se criou tanto em publicidade. O futuro chegou. E nos fortaleceu. Não devemos temer o que vem pela frente. Desde que venha pela frente.


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