Folha de S. Paulo


Faz falta levantar com café feito na hora

Roberto Seba/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 10-11-2015: Coffee Lab. (foto Roberto Seba/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***

O café da manhã sempre alegra e pode prometer um novo dia. Dia bom, de maio, solzinho manso, céu azul, uma certa ordem preguiçosa no ar, se me permitem, um silêncio dourado..

Tudo continua igual, o guaco cheirando só, de repente, misturado à trepadeira, ninguém sabe direito onde mora, a roseira que teima em viver há anos, dando uma ou outra rosa enferrujada, os temperos, nada demais, mas com um certo equilíbrio, é assim que é, assim que tem que ser, se você domou aquele cantinho de terra pode domar o mundo.

A água do café está quente, mas na garrafa térmica, ultimamente tem vindo na térmica. Uma garrafa boa, de ótimo desenho e que guarda o calor. Já repararam em café da manhã de novela? Tudo no bule, na leiteira, na chaleira, não sei como conseguem manter o calor. Mas é mais bonito, com certeza.

Não consigo me acostumar com o café instantâneo, no começo achei uma certa graça, me fazia lembrar Londres, um gosto sui generis de outra bebida, de outro lugar, cheiro de avião. Agora é orgânico, trato ele com desprezo único, nem meço na colherinha para que ele não se sinta café. Ah, mas o que faz falta levantar com café sendo feito na hora.

Aqui pelo meu bairro sumiram os padeiros que entregam pão. Fazem pão à beça, daquele bem duro, quanto mais duro mais autêntico, estou com o céu da boca escalavrado de tanto pão cascudo. Tem padaria por todo canto, mas entregar em casa que é bom, neca. Como fazer? Levantar de manhãzinha, desgrenhada, camisola, penhoar, pegar o carro e ir comprar pão? Já fiz isso uma vez e foi justamente aquela em que o carro quebrou e fiquei na marginal pedindo carona de robe.

Ou o pão fica no freezer e não há nada de mais desanimador que pão no freezer, convenhamos. E tem gente que pela manhã não tem aquela adrenalina toda de fazer ovos com bacon, panquecas. Eu prefiro voltar para a cama a ter que me exercitar diante de um fogão numa cozinha meio escura, com aquelas panelas lá embaixo da pia, detesto panela embaixo da pia, aquele barulho de tampas se destrambelhando todas.

A manteiga está dura, eu deixaria a manteiga para fora da geladeira porque manteiga dura não dá para passar no pão e você acaba comendo um monte, corta com a faca como se fosse queijo. Ah, coisa que gostei foi quando depois de ter sido proibida de comer manteiga por séculos ela apareceu na capa da revista "Time", com os médicos todos tecendo elogios. Não que queira dizer muita coisa, porque daqui a meses podem mudar de ideia, mas já foi um refresco.

Água de coco aqui em casa é remédio, cura tudo. Andaram vendendo uns cocos pequeninos, tosados, do tamanho de uma bola de tênis, cheios de uma água boa, mas não durou muito, era difícil colhê-los do mesmo tamanho, perece que os trabalhadores nos coqueirais não entenderam, que ideia mais esdrúxula era aquela de descascar as bolas até que ficassem pequenas, coco é coco, come do jeito que vem e pronto. Mas é difícil guardar na geladeira aqueles cocos verdes enormes, tem que comprar de caixinha e agora começaram a colocar açúcar para padronizar.

Juro que é verdade minha, no outro dia uma caixinha conversou comigo, estava escrito nela "Está entediado com a novela das oito?". Vamos e venhamos, água de coco na caixa e com açúcar e batendo papo é melhor deixar pra lá.

Tenho uma amiga que todo mundo conhece e que nos sustenta de kefir, que faz bem para o intestino. Prefiro coalhada, acho kefir azedo, me lembro quando era pequena e ia à cidade com minha mãe e tomava uma coalhada num potinho branco, grosso, de beiço, com uma broa de fubá, aquilo me cabia tão bem, era tão gostoso, será que ainda seria nos dias de hoje? Ou na boca da mulher que sou hoje?

Era tão bom quando todos os rituais eram gelatinosos, nada se transformara ainda em costume e se empedrara sem graça ou susto. Até o garçom puxando a cadeira, a textura tosca da toalha, a nata se dobrando em onda, o açúcar doce e permitido, a broa polvilhada de farinha branca, não me lembro se a mãe usava chapéu, mas tinha uma bolsinha linda de pregas e fecho de prata.

Foi a mosca gorda que me convenceu, chegou, quase pairou como um helicóptero sobre a mesa, e voou para outras bandas. Nem a mosca! Me dá aí essa Coca gelada, esquece esse café.


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