Folha de S. Paulo


Lombo grosso

Em bons anos de profissão, o que mais ouvi na vida foi fonte reclamando de jornal.

A cantilena é diária, mas varia de origem.

Quando uma reportagem é ruim para o adversário, a imprensa faz jornalismo. Quando atinge a própria fonte ou sua turma, é perseguição.

Quem entra na política tem de se acostumar com a vigília e eventuais críticas veiculadas nos meios de comunicação. Se for candidato presidencial, pior, o lombo tem de ser ainda mais grosso. Ninguém está livre do escrutínio. Numa disputa nacional, jornalistas do país inteiro observam o postulante com lupa. É bom que seja assim.

Nos bastidores da campanha nacional tucana, ouviu-se uma variedade de queixas desde que a Folha publicou, no domingo, que o presidenciável Aécio Neves (PSDB) construiu, nos tempos de governador, um aeroporto no município mineiro de Cláudio.

Para isso, desapropriou um terreno do próprio tio-avô, que até hoje contesta o valor da indenização (R$ 1 milhão). Todo mundo tem o direito de não acreditar na versão oficial, mas o tucano apresentou respostas. Afirmou que o governo de Minas considerou a região estratégica (embora não tenha dado números que comprovem a importância de se ter uma pista de aviões por lá) e disse que a prova de que não tentou beneficiar familiares está no fato de ter desapropriado um terreno de um parente seu (um forte argumento, a propósito).

Entretanto, fica difícil entender como a equipe de um candidato que decide construir, por R$ 14 milhões, um aeródromo situado a 6 quilômetros de sua fazenda pode reclamar de perseguição da imprensa.

O próprio senador já disse em conversas reservadas que a fazenda que herdou em conjunto com outros parentes é o seu "refúgio" preferido.

O aeroporto teria sido erguido ali se o tal refúgio ficasse em outro lugar?

Quem concorre a um cargo público precisa se acostumar a dar explicações sem, necessariamente, achar que o jornalista ou o jornal tem uma agenda outra que não seja informar seu leitor.


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