Folha de S. Paulo


Ofidiário

Há um governo funcionando em um lugar muito distante de Brasília. Por lá, tudo passa: conversa com empresários sem "instinto animal", banqueiros pessimistas, políticos indecisos, petistas desgostosos e, até, dono de uma grande emissora de TV.

No "gabinete do Ipiranga", em alusão ao bairro onde o Instituto Lula está instalado, vê-se uma rotina semelhante àquela vivida nos oito anos de Planalto. Dele, o ex-presidente comanda uma espécie de palácio paralelo ou, como preferem os bilíngues, um "shadow cabinet".

O ex-presidente tem atuado como braço auxiliar do Executivo. Recebe ministros, ouve queixas e despacha soluções para a capital.

Alguns visitantes do meio empresarial bem que tentam, mas logo percebem que ali não é um lugar para conspirações pesadas. No máximo, reclamações sobre o de sempre: falta de diálogo com a comandante do poder oficial, centralismos, intervenções, problemas de comunicação, ministros sem autonomia de voo.

Mas o ex-presidente também faz queixas. A principal delas: nem sempre é ouvido pela sucessora. Evita, contudo, dar vazão à tese que resvala na ideia de que deseja voltar a concorrer em 2014.

Ali, vai tentando convencer um e outro de que tudo será melhor daqui para frente, e que as dificuldades deste ano abriram os olhos de Dilma para melhorar o que andava capenga.

Desde outubro, quando a aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva foi selada, o petista passou a alertar sobre os riscos daquela união. Nos bastidores, diz não ter dúvida de que o governador de Pernambuco, por quem não perdeu o carinho, mas já não morre tanto de amores, crescerá nas pesquisas e pode, sim, chegar a um eventual segundo turno. Sempre que assim avalia, completa a fala ponderando que o ex-aliado tem o desafio de administrar Marina, alguém cuja parceria pode ser desfeita a qualquer momento se o jogo não for feito como ela quer.

Recentemente, mostrou dúvidas quanto à possível solução de transferir o ministro Aloizio Mercadante (Educação) para a Casa Civil. Não sabe se a ideia é prudente, já que tanto ele quanto Dilma tiveram auxiliares com perfis de superministros (José Dirceu e Antonio Palocci) e, como se sabe, não deu muito certo.

A situação está tão confusa que, ao Palácio do Planalto, o "gabinete do Ipiranga" não tem sido necessariamente ruim nesses tempos mais nervosos, a despeito da conclusão óbvia: governo forte não precisa de um paralelo.

Os mais maldosos apelidaram o QG paulista de "ofidiário". Segundo o léxico, trata-se tanto do local destinado à criação de serpentes quanto à preparação de soros antiofídicos.


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