Folha de S. Paulo


Maitê Proença se diz 'livre' e conta já ter sido assediada: 'Mas dei um chute'

Limpar uma privada foi uma das experiências mais transformadoras que Maitê Proença viveu nos últimos tempos. Foi durante uma viagem para a Índia em um exercício chamado de "meditação do trabalho". "Aquilo me deu uma alegria! Quis deixar como se tivesse limpado com a língua. Limpei cantos daquela privada que lá em casa sei que não limpa, porque fui reclamar com a minha faxineira, que ficou magoadíssima", diz ela, que voltou do país há pouco mais de uma semana.

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A atriz também fez sessões de hipnose e exercícios em que se jogava contra a parede. "Passei o Natal e o Ano-Novo fazendo essas coisas. Podia estar bebendo, mas fui soltar toda a bicharada de dentro de mim", diz.

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Maitê conta que descobriu na viagem, em três dias de meditação, o equivalente ao que vivenciou em dez anos de terapia. "Achava que eu era meu pensamento, mas o pensamento tem que estar a serviço desse ser, que sou eu. Tenho que ser capaz de calar meu pensamento, tirar tudo do caminho. Quero ser livre."

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Completando 60 anos de idade e 40 de carreira neste domingo (28), a atriz diz que nunca se sentiu tão liberta. "Não quero fazer nenhum personagem que não gostaria de ver. Isso é muito libertador", diz ela, que idealizou e protagoniza a peça "A Mulher de Bath", que estreou em São Paulo. Em dezembro de 2016, ela deixou a TV Globo depois de mais de 30 anos.

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Com muitas protagonistas e mais de 20 novelas no currículo, ela não teve seu contrato renovado. "Ser demitida é uma tristeza, mas não é algo para discutir no jornal. Eles [Globo] estão no direito deles. Não gosto de entrar num lugar com 20 e ser expelida aos 60. Ninguém gosta disso", conta.

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"O cameraman começou junto comigo. A camareira me viu com 20 anos. É um bando de amigos, e isso cria uma rede de proteção, de conforto. É ruim você não fazer mais parte disso. Porque alguém resolveu que você custava caro para a empresa ou qualquer outro motivo."

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No ano passado, a Globo interrompeu contrato com outras três atrizes veteranas : Carolina Ferraz, Danielle Winits e Isabela Garcia, todas na faixa dos 50 anos.

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"Um ator pode trabalhar até os 90 ou os 100 anos. Haverá sempre personagens."

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"Não sei se é diferente para os homens", segue. "Sei que em tudo a mulher mais velha tem mais dificuldade. Porque a exigência da juventude para a mulher, é maior."

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No início de sua carreira, "entraves psíquicos" atrapalharam o desempenho na atuação, diz Maitê. "Eu podia fazer qualquer coisa, até dirigir um caminhão. Mas não estava preparada para ser atriz [quando comecei]. Tinha feridas emocionais que não queria mexer, mas fui tendo que tirar do caminho."

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"Eu era meio bicho grilo. Tinha acabado de voltar da minha primeira viagem à Índia e me tornei uma pessoa pública. Eu não sabia agir publicamente, nunca tive televisão na minha casa. Foi muito assustador virar uma pessoa que todo mundo conhecia."

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Ela estreou em 1979, aos 20 anos. "Comecei fazendo protagonista absoluta. Hoje descobriram que as pessoas morrem, ficam doentes. Mas naquela época o personagem central era muito central, não tinham núcleos. A gente trabalhava muito", conta.

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"Até hoje é assustador me meter na frente de um monte de gente para que me julguem. Não quero ser julgada. Quem é que gosta?", pergunta à repórter Bruna Narcizo. "Olha só que trabalho horrível: às vezes você passa dois anos tentando montar um negócio e, em um dia, vem um crítico e fala coisas abomináveis a respeito daquilo. Às vezes, as pessoas não gostam. Acontece. É horrível, mas você vai fazer o quê? É o trabalho."

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"É lógico que eu quero agradar. Não quero fazer para poucos. Para três pessoas, a gente sai para jantar e falo minha opinião. Quero fazer coisa boa para muita gente!"

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Maitê no entanto, afirma estar com preguiça de ter sempre que tomar uma posição. "As pessoas dão opinião sobre qualquer coisa. Agora eu quero fazer as coisas", diz.

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O momento político atual, para ela, é "um pouco assustador". "Ver que Trump venceu nos EUA depois do Obama, que tirou a economia do buraco... E o Obama era aquele homem que você fala: 'Meu Deus, eu quero casar com você e com a [ex-primeira-dama] Michelle! Quero ter os dois na minha cama'."

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Ela conta que sofreu assédio na carreira. "Mais de uma vez, pessoas botando a mão em mim. Mas dei um chute."

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"Fiz uma carreira maravilhosa e não vou ficar me sentindo uma pobre coitada. Se usaram desse recurso baixo, eu tive que contornar. Os percalços melhoram a gente, infelizmente."

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"Houve um período da minha vida em que tinha medo de me entregar emocionalmente. Achava que, se eu fosse mexer lá dentro, poderia morrer daquilo", conta a atriz, que tinha 12 anos quando viu o pai matar a mãe por ciúmes. Ela aborda a história no livro autobiográfico que escreveu, "Uma Vida Inventada".

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Foi escrevendo que ela começou a exorcizar seus fantasmas, diz. "Achava que podia cavar lá onde não se pode mexer, e o que sair de lá, se eu achar que é muita exposição, eu apago. E fui lá, chafurdar, chafurdar, chafurdar. Depois que eu vi que deu, fiquei mais corajosa", diz.

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Nunca mais conseguiu ler o livro. "Não tive mais coragem. Todas as vezes em que houve a possibilidade de fazer uma reedição, inventei várias desculpas para não ler". Atualmente é mais fácil encontrar a publicação em sebos que em livrarias. "Vou ter que ler uma hora, vamos ver."

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A relação com a única filha, Maria, de 27 anos, é "uma avalanche de afeto e amor". Maria, que ainda mora com a mãe, vai se casar neste ano. "Achei que ia me sentir sozinha, mas eu adorei. Já estou toda voltada para o casamento. Ela vai para outro bairro e eu vou me mudar para perto. A Maria diz que estamos fazendo um cortiço, já que o pai dela já está morando lá. Eu quero uma casa sustentável, com energia solar", diz.

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"Agora eu tô muito ecológica. Sofro quando eu vejo um plástico. Sofro profundamente. Fico desesperada com a quantidade de lixo. Então, na minha casa a gente tá comprando as coisas a granel. Coitada da empregada, tem que entrar na onda."

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A atriz diz que uma das experiências negativas que teve atuando foi ao interpretar a personagem Sinhazinha, na novela "Gabriela", em 2012. Ela foi morta pelo marido depois de uma crise de ciúmes. "Na hora [de gravar a cena da morte] foi bem ruim. Eu já sabia quando aceitei a personagem, mas quando começaram a botar sangue falso... Reviver [cena parecida com a da morte da mãe] não é igual a pensar a respeito", diz.

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"Depois que minha mãe morreu, eu chorei escondida durante muito tempo. Trancava a porta no dia das mães e chorava sozinha, botava uma couraça e saía. Tive que me virar sozinha. Mas não tenho mais isso. Estou livre."


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