Folha de S. Paulo


Monica Iozzi diz que seria 'dificílimo' fazer o 'CQC' em Brasília atualmente

Monica Iozzi está chorando. Ela acaba de assistir ao documentário "Todos os Paulos do Mundo", sobre o ator Paulo José, num cinema da rua Augusta, numa típica noite de segunda-feira paulistana.

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"Bem hoje que eu passei maquiagem só para tirar as fotos [para a coluna]", diz, emocionada com a história do ator de 80 anos. "É um exemplo de amor e dedicação à profissão."

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Ela sobe a rua Augusta caminhando, chega à Livraria Cultura da avenida Paulista e pede um cappuccino com um pedaço de bolo. Monica já trabalhou no estabelecimento, como atendente. "Vou falar de boca cheia, tá?"

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A atriz está impactada com a vida e os ensinamentos de Paulo José. "Uma coisa que ele falou no filme: o cinema ajuda a mostrar quem é o nosso povo. A arte ajuda a mostrar quem somos nós. Como indivíduos, nação, humanidade. Isso me interessa. Quero ser uma artista e a minha via é atuar", diz ao repórter Bruno B. Soraggi.

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Ela está em plena transição: depois de participar como apresentadora e humorista do "CQC", na Band, e do "Vídeo Show", na TV Globo, e de ser comentarista de um "BBB", integrou como atriz o elenco da novela "Alto Astral" e da série "Vade Retro". Está agora em cartaz no cinema como protagonista do longa "A Comédia Divina". Tem outras séries e filmes em andamento.

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"Eu estava fazendo sucesso como apresentadora, mas meu foco não é esse", afirma. "Contar histórias é fascinante. Como apresentadora eu não vejo a possibilidade de fazer isso de uma maneira tão poética, de se despir de você mesmo para fazer com que outros enxerguem uma terceira pessoa ali."

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"Não significa que não voltarei a apresentar", segue. "É um prazer. Mas quero chegar à idade do Paulo José e ter a sensação de que me dediquei à minha paixão."

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Filha de um eletricista e de uma dona de casa, diz querer atuar desde pequena. "Para desespero da minha mãe. Ela falou: 'Uma filha vai ser professora. A outra, atriz de teatro. Vou morrer na rua' [risos]." Irmã mais nova, Monica se formou em artes cênicas na Unicamp.

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"Tem muito convite aparecendo, graças a Deus, mas fazer muita coisa ao mesmo tempo não me deixaria trabalhar com o respeito que tenho por essa profissão."

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Ao mesmo tempo, acha que tem que se arriscar. "Voltando ao Paulo José, como temos feito, ele falou uma coisa maravilhosa: 'Eu fiz mais de 40 filmes, 15 novelas, 18 peças. E a grande maioria desses trabalhos foram grandes fracassos. Mas o erro é importante porque é aprendizado'. Você tem que experimentar, né?", diz ela. "Outra coisa que ele falou: 'Poetar é fácil. O difícil é não só ficar com poemas debaixo do braço."

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Entre um gole e outro de cappuccino, ela traz à conversa a disputa judicial que travou com o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

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Mendes processou Monica depois de ela compartilhar uma foto dele e um texto sobre habeas corpus que concedeu ao médico Roger Abdelmassih com a pergunta: "Cúmplice?". Foi condenada a pagar R$ 30 mil.

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Ri alto ao relembrar do dia em que chegou em seu apartamento, em Perdizes, onde mora com a prima, e descobriu a notificação sobre o processo. "Eu entro e vejo uma carta rasgada. O porteiro tinha colocado por debaixo da porta e minhas cachorras comeram! Quando juntei tudo e li, pensei: 'Meu Deus, o que é isso?"

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"Nunca achei que fosse perder", diz. "Ao mesmo tempo, fui muito abraçada. Todo mundo achou aquilo um absurdo. Então eu só posso ter orgulho do meu processo."

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A política e Brasília entraram na vida da atriz na época do "CQC" –ela estudava para um mestrado em teatro grego, se inscreveu para o programa e foi aprovada. Pediu para cobrir o Congresso.

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Ficava na capital de segunda a quinta. "Foi um choque de realidade", diz. "Me fez entender o que é ser cidadã. E o que é ser mulher em um lugar tão masculinizado e machista. As coisas são mais sujas do que a gente imagina não estando lá. Dá vontade de desligar, de esquecer. Mas tem que ser o contrário. Eu me dedicava."

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"Ao lado da morte do meu pai [quando ela tinha 16], [Brasília] foi a coisa que mais me fez amadurecer. Me fez entrar na vida adulta." A terapia, na época, ajudou.

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Nunca pensou em seguir a carreira de repórter. "Não sei se conseguiria manter um distanciamento, ouvir respostas atravessadas. Eu era mais uma cidadã falando o que pensava", explica.

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"Entendo a imparcialidade da imprensa, mas sinto falta de algo mais incisivo. É uma pena, no momento em que a gente vive, não ter um programa com a postura que o 'CQC' tinha. Acho necessário. Mas ia ser duro para a equipe que estivesse lá. Já era difícil na época. Agora, seria dificílimo."

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Ela se refere ao ambiente de "intolerância" no país. "É um sintoma sério de como o Brasil está. As pessoas chegaram a um nível de desesperança em que cada grupo escolheu um ponto para despejar a sua raiva."

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"Enquanto tiver gente gritando 'morre fascista de um lado' e 'morre comunista' do outro, não vamos a lugar nenhum. O que essas pessoas querem? Uma guerra civil?", questiona.

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"Tá rolando censura. Você precisa concordar com outro? Não. O ideal seria aceitá-lo. Mas já que não consegue, tem que, no mínimo, tolerar. Nem a tolerância existe."

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Por estar "perdendo alegria" por essa polarização, Monica deixou as redes sociais no primeiro semestre deste ano. Mas vai voltar.

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"Nunca pensei em sair para sempre. Mas percebi que aquilo estava tirando o foco das coisas principais da vida. As pessoas estão dando muita importância para o discurso da internet. Discurso de ódio não é crítica."

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Certo tipo de humor, para ela, também não tem graça. "Não consigo rir de piada sobre gay, nordestino, português... Mentira, de português eu consigo [risos]." Falar de limites, no entanto, seria mais complicado. "Me dá medo porque levanta outra questão: quem dá esse limite? Tem que ser o bom senso."

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"Estamos tendo uma coisa muito legal agora de tirar a mulher da posição de objeto sexual, de não rir da mazela dos outros", segue ela. "Constranger o outro não é engraçado."

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Monica era amiga de Danilo Gentili na época do "CQC". "Eu achava o Danilo engraçado no programa. Agora, não sei dizer porque não acompanho", afirma. "A vida vai aproximando e afastando as pessoas." Daquela turma, mantém contato com Rafael Cortez e Felipe Andreoli.

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Já são mais de 22h. Da Cultura, a atriz vai ao restaurante América, na mesma avenida Paulista. Belisca batatas fritas.

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"Você tem que fazer um exercício para não deixar o mercado fazer de você um monstrinho. É um negócio pesado. Vide Amy Winehouse, Marilyn Monroe", divaga.

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"Mas não estou me comparando a essas pessoas famosas mundialmente. Agora você vai escrever que a Monica Iozzi se compara a Marilyn Monroe [risos].'"

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Pede a conta para finalizar a conversa. "Você não pode ficar pensando que tem que agradar todo mundo. Se entrar nessa 'nóia', vai pirar. Eu tomo uma vodca de vez em quando, saio para dançar, pego um pessoal. É uma sorte estar aqui, né? O que vamos fazer com isso?"

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Diz que tenta se manter "sã" não acreditando na perenidade das glórias da fama. "O que é a fama? Ela está aqui, daqui a pouco pode não estar. Depois pode ficar maior. Do jeito que vem, ela vai."


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