Folha de S. Paulo


'Não posso ver uma maca, que vou deitando', diz Gretchen sobre plásticas

"Tô me sentindo a garota", diz Gretchen, que tem quase 60 anos, ao começar um show em uma casa noturna gay de São Paulo. A plateia, majoritariamente de homens na faixa dos 30 anos, espreme-se em frente ao palco com celulares prontos para registrar os rebolados e jogadas de cabelo da cantora. Com um vestido preto curto e botas de salto com cano acima do joelho, Gretchen é recebida com gritos de "linda!", "musa!" e "diva!".

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De rainha do rebolado nos anos 1980, Maria Odete Brito de Miranda passou a ser chamada de "rainha dos memes" em 2017. Depois de estrelar um clipe da cantora americana Katy Perry -que chegou a dizer que Gretchen era "a internet"-, a brasileira viu seu cachê saltar de R$ 4.000 para R$ 26 mil, assinou um contrato com a gravadora Universal e vai fazer um álbum com músicas inéditas ainda neste ano. A música "Falsa Fada" será lançada no dia 17 de novembro.

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"Antes era [chamada de] boca de coringa, mamãe do Baby Sauro. Depois da Katy, é diva! Os haters agora me amam", diz.

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Quando, no início de 2016, suas fotos e vídeos se tornaram alvo de memes na internet, ela não entendeu. "Eu me perguntava: 'Por que as pessoas estão usando a minha imagem com uma coisa que eu não estou falando?'. Mandei para o meu advogado na hora", diz à repórter Bruna Narcizo durante um almoço no bairro de Higienópolis, em São Paulo.

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Gretchen, aliás, afirma que não pensa duas vezes antes de processar alguém. "Sorte que meu advogado é meu sobrinho. Porque não teria dinheiro para pagar", conta. Diz que adora seus memes, mas que "todos os de que eu não gostava, pedi para serem excluídos". Segundo a cantora, eles eram ofensivos. "Inclusive ofendiam o Brasil. Era como se eu tivesse lá na Europa desdenhando do povo brasileiro."

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Morando no Principado de Mônaco com o marido português, Gretchen afirma que leva uma vida de "dona de casa". Não tem empregadas e faz sozinha os serviços domésticos. "Graças a Deus, não sou reconhecida por lá. Gosto da minha privacidade. Saio com meus filhos para onde eu quero, saio para jantar com meu marido e ninguém vem me interromper."

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Quando os escândalos políticos do Brasil repercutem na Europa, Gretchen conta que fica com vergonha e diz aos outros que é portuguesa. Em 2008, ela concorreu à Prefeitura de Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, pelo PPS, mas recebeu apenas 2,85% dos votos válidos. "Vocês não têm noção do que é uma família de nove pessoas sem água para tomar; é muito triste. Eu rezei para perder. Porque, se ganhasse, teria que entrar no sistema da política. E não conseguia me imaginar mentindo para essas pessoas", conta.

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Também não acredita que candidatos de extrema direita, como Jair Bolsonaro, possam se eleger. "Eu não tenho medo nenhum. Ele [Bolsonaro] não ganha. As pessoas pensam que a comunidade LGBT é pequena, mas não é. Tem muito gay, trans e lésbica que não fala que é."

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"Fico chateada quando ofendem a minha filha Thammy." Thammy dançava com a mãe e tinha o título de princesa do rebolado até cortar os cabelos e se assumir homossexual e, depois, transexual. A cantora diz que ainda não consegue se dirigir ao filho sempre no pronome masculino. "Não é uma coisa que dá para digerir da noite para o dia. Pra mim ela sempre foi menina. Agora ela é um menino, mas eu trato isso de maneira natural", fala.

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A cantora está no Brasil e fica no país até o final do ano para "mostrar o Natal e o Réveillon" para o marido. "Lá na Europa, no Ano-Novo, você janta e vai dormir. Não tem isso de praia, festas e fogos. Eles batem panela à meia-noite. Sabe o que faziam contra a Dilma? É aquilo." Gretchen vai com o marido e os sete filhos para Maragogi, no norte de Alagoas.

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Valentina, a filha caçula de sete anos, foi adotada pela cantora aos dez dias de vida. Desde que a menina era muito pequena, Gretchen dizia para ela que a tinha escolhido no céu. "No ano passado, a psicóloga me disse que eu deveria começar a contar tudo", relembra. "Eu disse: você tem outra mãe, que fez você, que mora no Pará. E ela disse: 'Então eu sou adotada? Vou poder continuar te chamando de mãe e o meu pai de pai?'. Passou uma semana grudada comigo e falando que me amava, mas, quando viu que tudo continuava igual, ela relaxou", diz.

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Gretchen diz que, no auge da carreira, na década de 1980, chegou a vender 12 milhões de discos, tocou no garimpo e nunca teve medo de cair no esquecimento. "Convivi com muitos artistas da Jovem Guarda e tinha muito medo de passar o que eles passaram. Era muito amiga do Wanderley Cardoso e vi aquela coisa de não fazer mais sucesso, de beber e se jogar nas drogas porque ninguém queria mais saber dele. Eu sobrevivo tranquilamente sem isso [sucesso]. É uma coisa que eu sempre cuidei muito para não sentir", diz a cantora, que cursou letras e agora pretende fazer jornalismo na França.

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Perdeu a conta de quantas cirurgias plásticas já fez. "Não posso nem ver uma maca, que já vou deitando." Diz que passou até por alguns procedimentos "inventados" por ela. Quando, por exemplo, se incomodou com a flacidez do braço e o médico se recusou a fazer porque a deixaria com uma cicatriz enorme, Gretchen disse para o cirurgião: "Você resolve o meu problema da pelanca, e eu resolvo a cicatriz. Tirei a pele e fiz uma tatuagem em cima".

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"Sempre fui a mesma pessoa. A Gretchen que cantou a [música] 'Conga La Conga', é a mesma que gravou com a Katy Perry, a mesma que a [cantora] Simony [que passou aquele dia com ela em SP] recebeu no aeroporto de jeans e tênis, mas que trocou a roupa no carro só para dar essa entrevista", diz. "A vida é isso [não se levar a sério]. Você não envelhece, está sempre bem, tira tudo de letra. É a melhor coisa."


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