Folha de S. Paulo


Não tenho perfil de galã esteticamente prazeroso, diz ator Rodrigo Lombardi

O ator Rodrigo Lombardi, 40, havia perdido o amigo Domingos Montagner há menos de um mês quando foi chamado pela Globo, no ano passado, para substituí-lo na série "Carcereiros", sobre a vida de funcionários de prisões.

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Lombardi estava de férias, ainda tentando processar a morte do colega em um acidente. Voltou de viagem, deixou a mala em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio, entrou no mesmo táxi e voltou para o aeroporto para embarcar para São Paulo, onde seriam as gravações da produção inspirada em um livro do médico Drauzio Varella.

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"Mal tinha lido o roteiro, não tive tempo de fazer pesquisa sobre o assunto ou estudar o personagem", conta o ator à repórter Letícia Mori em um café em São Paulo.

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Conheceu carcereiros somente no set, onde eles acompanhavam e conversavam com os atores. "Tive um carinho muito grande deles, da equipe, dos outros atores, que entenderam a situação", diz. Depoimentos reais de profissionais das penitenciárias entremeiam a ficção na série. Ao observá-los, Lombardi notou um traço em comum.

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"Existe um cansaço ali, uma coisa que você não sabe se é exaustão ou depressão", diz. Muito apegado às transformações físicas e vocais necessárias para um papel, o ator resolveu usar um recurso de emergência.

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"Comecei a fazer uma dieta de sono. Durante dez semanas, dormi cerca de quatro horas por dia. Para sentir aquilo, para poder me apegar a alguma coisa que fosse real."

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A produção não sabia. "Acho que se eu levasse isso pra eles, não iam aprovar", conta ele, que afirma concordar com as críticas a esse tipo de exercício extremo para entrar no papel. O método é conhecido por ter sido usado por atores como Marlon Brando e Robert De Niro. Gerou polêmicas recentemente quando Jared Leto entrou tanto em seu personagem no filme "Esquadrão Suicida" que começou a incomodar atores do elenco.

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"Na verdade eu sou totalmente contra", diz Lombardi, com um sorriso que pede desculpas. "Mas foi uma emergência. No desespero a gente se vê fazendo essas coisas. Eu jamais teria feito se tivesse tido tempo de ter um conhecimento maior desse universo."

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O personagem foi crescendo com o contato com os carcereiros no set. "Um deles tinha 30 anos de sistema e já tinha sido refém oito vezes. Como o ser humano pode largar a razão e voltar a ser bicho? Quando ele conta o que viveu... Não dá para encenar aquilo. Nossas cenas são quase uma licença poética, porque a gente jamais vai chegar na verdade que aqueles depoimentos passam."

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Critica a maneira como o Brasil lida com a questão prisional. "Você tira o cara da rua, joga lá e não olha mais. Mas ali tem um universo que vai influenciar a sua vida. Um dos episódios relata o momento em que o PCC surgiu ali, como um sindicato do crime. Então a gente tentou levantar um pouquinho o tapete e ver o que há por baixo."

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Usa a mesma metáfora do tapete para falar sobre a crise política. "Somos privilegiados por podermos ver a sujeira que tem ali embaixo, por podermos fazer uma limpeza."

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"Dizem: 'ah, porque tudo demora.' Desculpa, mas tem que demorar, infelizmente. O processo é longo, é lento, porque é minucioso. Temos que tomar cuidado, porque quem julga, quem condena, não pode errar", pondera o ator. Pede outro café e continua. "Como não temos informação, tudo para a gente é no geral: político é corrupto, policial é bandido. A gente tem que se dar o trabalho de pesquisar."

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"Acabamos de passar por um momento, com o impeachment da Dilma, em que as pessoas perderam amigos porque não souberam conversar. Para que brigar por legendas? Elas deixaram de representar ideais. Viraram time de futebol. As pessoas culpam o PT. Mas o PT, como ideal, é incrível! O problema é isso ter se perdido. Não confundam o PT com os petistas."

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Reclama dos serviços públicos e conta que não tinha plano de saúde até entrar na Globo. "Eu fazia teatro. Ia a pé para economizar o dinheiro do ônibus. Dependia do SUS há 12 anos [quando começou a trabalhar na emissora]. Vou falar há dez anos, vai, porque também não é assim: você entra na Globo e tudo vem", diz, rindo.

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Notado pela TV já na casa dos 30 anos, quando considerava desistir da profissão, Lombardi estourou em 2009, como o galã da novela "Caminho das Índias". Diz que já se incomodou muito com o rótulo. "Criam uma expectativa. Atribuem o galã ao esteticamente prazeroso. Não me encaixo nesse perfil. Fiquei nesse lugar por uma carência —o mercado vinha com modelos de galãs muito principescos e eu caí num lugar onde não era essa a necessidade."

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"Até então, eu estava em núcleos de comédia, eu era tipo! 'Ah, o narigudo! Chama ele! Ah, o dentão!'", diz, encenando caretas. "Mas na verdade o galã é um papel dentro do folhetim, é o herói. É uma função, não uma questão de 'physique du rôle'(porte físico necessário para um papel)", diz, usando uma expressão do teatro.

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Comenta o escândalo de assédio sexual de José Mayer, até então uns dos galãs mais celebrados da emissora. "Lógico que sou contra assédio. Eu condeno? Condeno. Ele errou. Mas não deixei de gostar do Zé Mayer, isso não apaga as coisas boas que ele fez. E acho que ele não faria de novo. Então vamos aprender com isso. Que ele sirva de grande exemplo para que quem tem essa cabeça não aja mais assim."

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Hoje Lombardi emenda um trabalho no outro. Está no ar em "A Força do Querer", lança "Carcereiros" dia 8 de junho na GloboPlay, está escrevendo um roteiro, abrindo um negócio e vai encenar uma peça depois da novela. Sem contar os filmes que gravou recentemente e as dublagens que faz para a Disney.

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Sem tempo, vive entre o trabalho e sua casa, no Rio, onde mora com o filho de 9 anos, Rafael, e a mulher, Betty Baumgarten. "Moro lá faz doze anos e só fui pra zona sul a trabalho. Quando tenho folga só quero dormir."

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Diz que, porque teve um sucesso tardio, fica ansioso se não aproveitar todas as oportunidades. "Fico insuportável nas férias. Por que não estou produzindo? Tenho que produzir!", afirma. E desmente uma notícia de um colunista social do Rio que dizia que o sucesso o levou a um 'ataque de estrelismo', que teria sido repreendido pelo diretor de "Carcereiros", José Eduardo Belmonte.

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"É balela. As pessoas não têm o que falar e falam isso. O Zé até se assustou. Me perguntou: 'ai, o que eu faço agora?' Eu falei: 'Faz nada, Zé. Vamos trabalhar'", diz o ator, antes de tomar um último gole de café.


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