Folha de S. Paulo


Repetição destruiu a música brasileira, diz Sidney Magal ao lançar filme

Sidney Magal, 63, se sente em casa quando entra no salão e começa a ser puxado, apalpado, abraçado. Ele está mesmo num lar: um residencial para idosos em São Bernardo do Campo (SP), onde um grupo de 30 moradores acaba de assistir ao filme "Magal e os Formigas", estrelado pelo cantor e ator.

*

Como um formigueiro em torno de um torrão de açúcar, a mulherada o cerca pedindo fotos e não sossega até que o artista, galanteador e sorridente, faça uns passinhos. "Ele é alto, né? Não dou nem uma perna dele", diz uma das mais animadas, a baixinha Alzira Lima Alves, 78. Perfumada e cheia de bijuterias, ela vive no local há nove anos.

*

O longa-metragem, que estreia nos cinemas neste fim de semana, está sendo exibido naquele dia na casa de repouso (com mensalidades a partir de R$ 4.000) porque ali mora Mary Cannito, 80, a mãe do diretor e roteirista do filme, Newton Cannito. Desinibida, ela faz uma "ponta" como atriz na comédia, inspirada na história de sua família.

*

"Gostei. Só achei que tinha que ter mais dança", diz ela ao repórter Joelmir Tavares depois da projeção. "Mas é do meu filho, não posso falar, né? Escreve uma coisa bonita do filme", despista. Dona Mary se mudou para o residencial depois de ficar viúva e quebrar o fêmur numa queda. "É o destino, né?", resume. Dos 93 moradores, a maioria é mulher e foi para lá após perder o marido ou por não ter filhos por perto.

*

O filme também é sobre a fase mais madura da vida. Mas, como esperado de uma produção que tem Magal no elenco, busca um olhar otimista. Assim como dona Mary, que se diverte com os bingos na residência, elogia a comida servida e não larga o cigarro. "Ela fala que está aqui ajudando a cuidar dos outros velhos", diz Newton.

*

Depois da festa feita pelos moradores e funcionários do espaço —e de cumprimentar um a um—, Magal diz ao microfone: "Se alguém aqui entende de vida, são vocês. Ouvi muita gente falando que assistiu a shows meus há 20 anos, 30 anos, e isso não tem preço! Fazer parte da vida das pessoas é muito bom". A mãe do cantor, dona Sônia, passou os últimos anos de vida num lar de idosos no Rio.

Trailer do filme "Magal e os Formigas"

Perto de completar 50 anos de carreira —efeméride que vai merecer em 2017 exposição, DVD e livro—, o carioca que mora na Bahia atravessa gerações numa época em que artistas mal conseguem ter hits que durem um ano.

*

"Meus discos sempre foram fortes, com instrumentistas de primeiríssima. E respeito a performance das músicas. Sempre faço como se fosse aquele cigano do 'Fantástico', apesar de não ter mais o mesmo físico e os mesmos cabelos", brinca ele, que assumiu os fios brancos e participou neste ano da "Dança dos Famosos". Foi eliminado do quadro do "Domingão do Faustão" num dia de intensa dor no nervo ciático.

*

Magal conta nos dedos seus sucessos, como "Se Te Agarro com Outro Te Mato", "Meu Sangue Ferve por Você", "Sandra Rosa Madalena" e "Me Chama Que Eu Vou".

*

"Sou uma pessoa muito consciente, graças a Deus, e 'Se Te Agarro com Outro Te Mato' eu não posso falar que seja uma obra-prima da poesia [risos]. Foi minha primeira música. Eu também não gostava quando comecei a gravar, achava meio chula."

*

Depois se despiu dos preconceitos e incorporou a veia de cantor popular e galã. Mas diz que quando estreou havia espaço para mais gêneros. Ele mesmo, "primo de segundo grau do [poeta] Vinicius de Moraes", como gosta de lembrar, se aventurou por estilos como bossa nova e jazz.

*

"O artista virou animador de festa. Antes tinha preocupação em se destacar para ser observado, aplaudido. Hoje, se ele não levantar uma galera, não presta. Na minha época, nos festivais, você via um Gonzaguinha cantando e os jovens delirando. Agora, quanto mais simples, com a letra mais vulgar, melhor."

*

Para Magal, no entanto, o gosto do brasileiro é popular. "Você pode ser intelectual, ter bom gosto, mas no fundo gosta de uma boa breguice. Senão esse arrocha da Marília Mendonça não seria esse sucesso em todas as classes", diz, citando a cantora sertaneja famosa por canções como "Eu Sei de Cor" e "Infiel".

*

O que "destruiu" a música, ele acredita, foram as "coisas repetitivas". "Existem 800 duplas sertanejas. Ficou uma coisa engessada. Ou você entra para faturar ou é criativo, como Jorge Vercillo, Ana Carolina, Seu Jorge. Só que eles não têm o mesmo espaço. Se você pegar os programas da Globo, é só Thiaguinho, Péricles, Anitta, Ludmilla."

*

Magal tenta fazer em média seis shows por mês. Afirma que é preciso "falar a verdade" e admitir que a crise no país afetou todo mundo, inclusive os artistas. Em novembro ele fez quatro apresentações. "Não é o número que eu gostaria. E fico puto quando isso acontece. Acho que em 2017 tem que melhorar. Não é questão de ser otimista ou não. Tem que melhorar porque o astral do brasileiro foi pras cucuias. E isso é o mais grave, as pessoas pessimistas, num negativismo doentio", diz ele, que se define como espiritualista, diretamente afetado por "energia" e "astral".

*

Em "Magal e os Formigas", o astral do cantor, que interpreta a si mesmo, é o que salva o personagem do ator Norival Rizzo de uma vida meio depressiva. A história gira em torno do embate entre trabalho e diversão. Os insetos do título são uma referência à fábula da cigarra e da formiga.

*

"Minha preocupação era que não parecesse que é um filme para me endeusar", diz Magal, que já atuou em outros longas, novelas e peças de teatro. "Quando o Newton me chamou, pensei: gente, será que eu tô para morrer?! [risos] Aí vi que a intenção era mostrar o quanto um artista pode influenciar na vida das pessoas, levar alegria, otimismo."

*

Com três filhos e casado há 37 anos com Magali, ele diz que é "uma pessoa insuportavelmente feliz" graças à família. "Tenho equilíbrio na minha vida e acho que isso me ajuda a ter otimismo." É assim que Magal encara a "idade da sabedoria", a mesma dos novos amigos feitos por ele naquela tarde no lar de idosos.


Endereço da página:

Links no texto: