Folha de S. Paulo


Titãs podem contar comigo até o fim, diz Branco Mello após saída de Miklos

Tomando um café no Centro Cultural Banco do Brasil, o vocalista e baixista dos Titãs, Branco Mello, conta como é trabalhar com sua mulher na peça "Noites Sem Fim", que ela apresenta no espaço. Angela Figueiredo é uma das protagonistas, Branco fez a trilha. É o terceiro espetáculo seguido em que os dois trabalham em parceria. A atriz presta atenção a cada palavra do marido e sorri para o músico enquanto ele fala.

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Quando é ela quem conta a história, Branco olha igual. "A gente começou a trabalhar juntos há 15 anos. A gente adora, porque ele viaja, eu viajo, então esses momentos são uma alegria", diz a atriz à repórter Letícia Mori.

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O casamento foi oficializado em 2009, mas os dois começaram a namorar há 27 anos e têm dois filhos juntos, de 16 e 26 anos. Angela está mais do que acostumada com os longos períodos em que o marido viaja em turnê com os Titãs. "Roda o Brasil inteiro, todos os anos, há 34 anos. É uma loucura", diz.

Com formação nova depois da saída de Paulo Miklos neste mês, a banda volta para a estrada no próximo semestre. Ele foi o mais recente integrante original a deixar os Titãs, que já tinha perdido quatro: Arnaldo Antunes, em 1992; Marcelo Fromer, em 2001; Nando Reis, em 2002; e Charles Gavin, em 2010.

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Angela e Branco riem alto ao ouvir as piadas que surgiram na internet após a saída de Miklos, como apostas sobre quem seria o último –Branco Mello ou o guitarrista Tony Bellotto.

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"Diga aos fãs que ele fica!", responde Angela por Branco. "Sou um cara que gosta de banda. Fiz show sozinho e foi divertido, mas ninguém que sair dos Titãs vai fazer uma banda do mesmo tamanho. E curto essa energia, temos uma história, um jeito de compor e tocar. Então pode contar comigo, até o final", diz ele. "Estamos firmes e fortes."

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Segundo ele, "os Titãs não tem fim". A ideia é que o grupo continue se renovando com a chegada de gente como Beto Lee, filho de Rita Lee. "A gente faz isso há 35 anos. Quando o Arnaldo [Antunes] saiu a gente tinha 10 anos. Já faz quase 25 anos!"

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A parceria do casal se estende ao trabalho de Branco na banda e fora dela. Angela produziu o documentário "Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa" (2009) e produz e dirige os shows solo do marido. "Trouxemos até um dos filhos para ajudar. Adoramos trabalhar em família, principalmente a Angela. Ela vai arregimentando todo mundo", diz Branco por Angela.

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Para "Noites Sem Fim", o músico criou uma canção com o compositor Ricardo Severo. "Foi a primeira música original dele para um projeto assim. Brinco que ele fez essa para mim", diz Angela, sorridente. Afinal, quantas músicas ele fez para mulher nos 34 anos de carreira?

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Os dois respondem ao mesmo tempo: "Nenhuma", diz ela, rindo. "Várias!", diz ele, sério. "Todas as músicas que eu canto são para ela. Pelo menos todas as românticas", continua ele, sem especificar quais. "Não gosto de dar o sentido. Elas têm vários significados. São obras abertas, existe um mistério. Não acho legal a gente analisar muito."

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"É como no teatro, a gente tem uma ideia do que quer passar, mas cada um tem sua experiência de vida e recebe aquilo na condição que pode receber. Cada espectador é um", diz Angela.

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Ela fica com a voz embargada ao falar de sua personagem na peça, uma ex-presidiária que tenta se adaptar à vida fora da prisão. "Tem assuntos bem femininos, dificuldades que mulheres passam. Isso está em alta, agora, né? Mas foi uma coincidência. Sempre me interessei por esses dramas", conta.

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Com circulação pela música, teatro, cinema e TV, o casal diz acreditar que o momento atual não é especificamente pior para a classe artística. "Difícil sempre é, tudo no Brasil é difícil", diz Branco. "Quando queremos realizar algo, a gente se vira, corre atrás, batalha. Mesmo que seja colocando investimento nosso".

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Apesar de incluir muitos temas políticos em seu trabalho –como a brutalidade da Polícia Militar na música "Fardado"–, Branco evita falar de política. Diz apenas que queria refletir o momento que o país está passando.

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Questionado sobre o conservadorismo de roqueiros de sua geração, como Roger Moreira, balança a cabeça em negativa, chateado."Posso ser bem sincero? Tô de saco cheio de falar desse assunto", diz o músico. "Não do Roger, do Lobão, mas de tudo isso. Nego fica aí discutindo, brigando pela... Não quero falar disso, não vou perder meu tempo", afirma.

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"É muito chato essa coisa de as pessoas brigarem, pararem de conversar por ter pensamentos diferentes. Não tinha que ser assim", diz Angela, em tom de explicação.

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O filho mais velho do casal, Bento Mello, chega para salvar os pais do assunto espinhoso. "Nego tudo o que eles disseram de mim", diz, brincando, antes de ir com eles para o palco, onde a mãe começa o ensaio da peça.


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