Folha de S. Paulo


Estamos voltando no tempo, diz Débora Falabella sobre artista ser chamado de 'vagabundo'

A atriz Débora Falabella, 37, cruza o salão barulhento de uma cafeteria no shopping Frei Caneca, escolhe uma mesa e começa a falar da "tristeza" com que viu artistas serem chamados de "vagabundos" em meio aos protestos contra a extinção (já revogada) do Ministério da Cultura.

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"Nem o meu avô [materno], que era conservador, fez com o meu pai", diz ela ao repórter Joelmir Tavares, ao contar do namoro do pai artista (o ator Rogério Falabella) com a mãe dela, Maria Olympia, moça de família tradicional, na Belo Horizonte dos anos 1950. "Mas ele era superlegal, depois aceitou [o relacionamento dos dois]."

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"Eu falei: 'Pai, você nunca foi chamado de vagabundo pelo vovô, né?' [risos]. E olha como a gente tá, voltando no tempo", diz ela, enquanto come um pedaço de bolo de cenoura com cobertura de chocolate, antes de seguir para o teatro do shopping para atuar na peça "Contrações".

Na TV, Deborah também retorna a uma época em que artista era marginalizado, com a série da Globo "Nada Será Como Antes", que deve estrear no segundo semestre. Na história, sobre o nascimento de uma emissora de televisão nos anos 1950, volta a contracenar com o namorado, Murilo Benício, 44.

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Ela e o ator começaram o relacionamento em 2012, na época da novela "Avenida Brasil", em que faziam parte do mesmo núcleo. "Antes a gente tinha amizade de ator. Agora temos intimidade de casal." O reencontro foi "surpreendentemente bom" e trouxe a confirmação de que têm química ao contracenar, ela diz. "A gente sempre se deu bem em cena, né? Eu já fiz filha dele [em 'O Clone']."

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Falar do namoro é algo incômodo para a reservada atriz mineira, que despontou na TV justo em "O Clone" (2001), como uma adolescente rica que se envolvia com drogas.

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"Não consigo ser de outro jeito. Para mim as coisas são separadas. E acho que têm que ser mesmo, até pra manter nosso mistério como artista. Não consigo expor minha vida. Para mim não é natural, eu não gosto. Gosto de expor os personagens que eu faço."

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Diz ficar "angustiada" com o resultado das entrevistas que dá. "Porque talvez eu não queira me ver. O que eu quero é que as pessoas me vejam através de outra coisa, de um texto, de um personagem."

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Débora, que em "Contrações" fala de assédio moral e de autoritarismo em empresas, se assustou quando se viu "metralhada" por críticas ao fazer um comercial para o governo de Minas em 2012.

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Veiculado alguns meses após uma das maiores greves de professores do Estado, o anúncio em que a atriz informava números positivos da educação pública mineira gerou protestos na classe. O sindicato dos professores contestou a propaganda e chegou a repudiá-la publicamente.

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"Me arrependo e não faria de novo", diz, ajeitando-se na cadeira diante do assunto que acha "chato" e alterando o tom de voz usual, baixo e pausado. "O comercial já tinha sido gravado e quando ia ao ar aconteceu a greve. Assim que soube, pedi pra tirarem."

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Ela segue: "E o que mais me deixou chateada foi estar ligada a algo tão nobre, que é a profissão do educador. Entendo a dificuldade que eles passam, os abusos e a exploração. Se eu pudesse voltar no tempo, não teria feito".

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Diz que após a contrariedade ficou ainda mais criteriosa com convites para publicidade. Entrar em discussões públicas, então, nem pensar. "Na vida eu tenho posicionamento muito mais através da minha arte. Opiniões às vezes são colocadas no calor da emoção. Já num espetáculo, por exemplo, é algo que foi pensado, feito para refletir."

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Dois cafés e uma fatia de bolo depois, ela parte para o teatro. Na porta do elevador, atende ao pedido de um grupo de jovens que sai do espetáculo anterior –da blogueira e youtuber Bianca Andrade– e posa para fotos.

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"É uma coisa [famosos do YouTube] que até desconheço. Vejo pela minha sobrinha de 12 [anos]. Minha filha ainda não se liga nisso. São outras formas, né?", afirma a mãe de Nina, 7, fruto do casamento de cinco anos com o músico Chuck Hipolitho.

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"Quase ninguém mais vê TV no formato tradicional. As pessoas estão com mais autonomia, poder de escolha. E tudo mudou rápido com a chegada das novas plataformas. Acho que 'Avenida Brasil' foi uma novela muito boa e entrou no limite dessa mudança de comportamento. Depois, tanta coisa aconteceu."

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Entra pelos bastidores, chega ao palco com o cenário ainda em montagem e ensaia na bateria que ela toca em uma cena do espetáculo. "Tá fazendo só pra humilhar, né?", diz a atriz, de costas, brincando com um técnico da equipe que senta depois dela diante do instrumento e tira sons bem mais elaborados.

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Cruza com a colega de cena (e sócia em sua companhia de teatro, o Grupo 3) Yara de Novaes, enquanto um assistente prepara a mistura que Débora vai pôr na boca para simular vômito na peça. "Ontem ela vomitou tão bem que eu quase tive ânsia", diverte-se Yara. "Pensei: a Débora tá evoluindo tanto como atriz que agora ela tá fazendo a dramaturgia do vômito!"

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Dali a pouco, Débora destranca a porta do camarim e, já de peruca ruiva, sobe para o palco. Lá vai ela fazer o que mais gosta: falar da vida e do mundo protegida pela máscara de seus personagens.


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