Folha de S. Paulo


'Isentão', Alexandre Nero diz que 'não se fala mais de política, mas de ódio'

"Antes da TV ninguém vinha assistir porra nenhuma, né?!", diz Alexandre Nero, 46, diante do público ainda sob meia-luz que começa a lotar os 500 lugares do Teatro Porto Seguro, no centro de SP, na noite da terça passada (12).

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Depois da TV, ele não é mais o cantor de bar e artista de peças de teatro alternativo em Curitiba. É o ator que fez oito novelas em oito anos na Globo; cantou com Roberto Carlos no especial de Natal; virou fenômeno (e ganhou status de galã) como o Comendador na novela "Império", de 2014, e emendou na sequência outro protagonista, o Romero Rômulo de "A Regra do Jogo", encerrada no mês passado.

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Maioria no público do show, as mulheres riem de tudo que o ator e músico fala. Algumas vão para a frente do palco e tiram fotos. Com uma bengala numa mão e uma taça de vinho na outra, ele se diverte com o assédio. "Romerito, a sua Atena tá aqui!", grita uma senhora loira de vestido de oncinha, citando o personagem mais recente dele e seu par romântico.

Ele começa a apresentação "cantando coisas de amor", como faz a banda da música de Chico Buarque escolhida para abrir o repertório da noite. Com nove discos lançados, Nero também toca suas composições, com letras poéticas, irreverentes e algumas, digamos, mais safadinhas.

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Num intervalo, um assanhado "uuu" corre a plateia quando ele recita: "Diga que a minha língua é quente, que nunca gozou tanto". Efeito semelhante acontece quando entoa num refrão: "Vamos foder o dia inteiro". Ele também apresenta a música que fez para o filho Noá, de quatro meses: "Cantiga Boba Alegre para Ninar no Ar".

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Diante do ódio que tem enxergado com seus olhos grandes, o artista quer falar de amor. "Não de maneira babaca, como parece ser. Falo de amor ao próximo, da forma mais afetiva possível e menos novelística possível", diz ao repórter Joelmir Tavares.

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"Podem pensar: neste momento do país, falar de amor?! A questão é que não se fala mais de política, mas de ódio. Não há debate, só agressão." Por causa da "ignorância", reduziu a frequência em redes sociais. "Brochei total." Recentemente, defendeu no Twitter colegas da Globo que se posicionam. Escreveu que eles não são "um bando de alunos colegiais onde todos fazem o que o 'bedel' manda".

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"Aí saiu assim: 'Nero é afastado pela emissora porque se pronunciou'", conta. "Cara, eu já ia ser afastado. Eu pedi! Tinha acabado de fazer dois protagonistas das nove. [Faz um barulho de ronco e inclina a cabeça para trás.] As pessoas inventam histórias."

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No fim de 2015, ao vivo no "Domingão do Faustão", o ator pediu "menos opinião e mais conhecimento" nas discussões sobre política. "Tento me posicionar, mas acho que tem momentos em que a gente precisa se preservar. E este é um deles. As pessoas estão histéricas, loucas. Têm que tomar seus remedinhos."

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Agora caiu na categoria de "isentão", como se diz na internet. Na explicação de Nero, é "alguém que não escolheu ser de direita ou de esquerda, não entrou na histeria política e não está com a faca na mão dando porrada em alguém. Um bunda mole".

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"Criticam o isentão, mas eu acho que eu é que sou inteligente. Eles são imbecis. Qualquer radical é imbecil. Vejo cinza onde só veem preto e branco." Ultimamente, discute política somente se for conversa civilizada. Tenta fazer alertas a pessoas próximas "que ainda aceitam o diálogo". Com amor.

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"Falo: 'Olha, isso é mentira, presta atenção'. De maneira afetiva mesmo. É o que posso fazer nessa merda toda que tá acontecendo. Tá todo mundo apontando o dedo para os outros, então aponto para mim. Eu sou do contra, né?"

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Mesmo sem ser exemplo de "garoto-propaganda bom-moço", Nero é requisitado pela publicidade. A 9ine, agência do ex-jogador Ronaldo, negocia seus contratos comerciais. "Tem diferença entre ser boa pessoa e ser bom-moço. Tem muito bom-moço aí que é filho da puta pra caralho. [Sou] um cara que diz 'puta que pariu', que num show fala 'buceta'."

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Diz que já recusou um anúncio de cerveja por achá-lo machista. "Falei: 'Não consigo colocar isso [texto] na minha boca'. Com publicidade, vou até onde me machuca. Não é porque hoje até tenho mais dinheiro do que antes que vou fazer qualquer coisa."

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"Pão-duro", como se define, gosta de ostentar só instrumentos musicais e roupas de grife. Naquela tarde, numa ida à rua Teodoro Sampaio, que concentra lojas de instrumentos, resistiu à tentação de comprar uma guitarra que era um "tesão". "Às vezes me dá [culpa por ganhar dinheiro], mas eu nunca ganhei tanto dinheiro assim pra me sentir tão culpado!", diz, gargalhando.

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"Amigos dizem: 'Ah, o Nero tá metido agora'. Agora, não. O Nero sempre foi! Desde Curitiba", diverte-se. "Nem por isso é o cara arrogante, metido a besta. É uma coisa de falar: é meu lugar, não posso chegar lá timidozinho."

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Com contrato de cinco anos, ele ainda não tem novo projeto na Globo. Nas folgas, fica em casa, no Rio, onde mora com a mulher, a atriz Karen Brusttolin, 27, e o primogênito. "O Noá renovou minha esperança. É uma pureza. Não importa quem chega, ele sorri. Olho pra ele e falo: caramba, o ser humano nasce bom. Fica ruim depois."

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Em agosto, o ator estreia em SP o musical "O Grande Sucesso", que, como sugere o título, fala de fama. Seus colegas de palco, assim como no show, serão todos artistas de Curitiba. "Hoje eu tô numa posição que poderia ter chamado qualquer diretor, mas pra mim não tinha dúvida. Chamei os caras com quem eu sempre trabalhei."

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Um sonoro "aaahhh" é ouvido no teatro quando ele se despede. Agradece ao maestro e pianista João Carlos Martins, que está na plateia e será vivido por Nero em um filme biográfico a ser rodado em maio. Os dois, que só tinham conversado por telefone, vão se conhecer nos bastidores.

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"Você veio! Saiu do erudito pra essa ralé!", diz o ator ao abraçar João Carlos. "Você é um gênio", devolve o maestro. "Eu queria ser ator para poder interpretar você", segue ele, confirmando para o dia seguinte um encontro a sós em sua casa.

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O ator, que toca instrumentos de corda, está se familiarizando com o piano para as filmagens. Também estuda inglês por causa das cenas no idioma. "Eu achava que falava inglês como um chihuahua [cachorro], mas agora descobri que falo que nem um índio. Na verdade, um índio fala muito melhor!"

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Bebendo uma taça de cerveja, escuta mais gritos ao ser avistado pela fila de pelo menos 300 espectadores (mulheres, novamente, em peso) que o aguardam de fora do teatro para uma maratona de fotos, autógrafos e beijinhos. Outro grupo fica parado à frente, implorando por atenção, numa algazarra de duas horas.

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No meio do furdúncio, uma mulher discute com uma moça que quer tomar seu lugar. "Por que você não entrou na fila?", pergunta, irritada. "Porque não sou obrigada!", responde a jovem, que sai pisando duro. Mais amor, por favor, diria Nero se estivesse ouvindo a conversa.


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