Folha de S. Paulo


Atores no Brasil fazem novela 'mais pela grana', diz Marco Ricca

O ator Marco Ricca diz que está sem vontade de dar entrevista. Tampouco está animado para participar de um debate sobre o filme "O Fim e os Meios", no qual atua. Não é nem falta de empolgação com o trabalho nem descontentamento com o resultado do longa dirigido por Murilo Salles –que Marco afirma gostar muito.

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"Sabe o que é? Eu acho estranho estar aqui pra falar de mim quando hoje mesmo metralharam cinco crianças no Rio de Janeiro. Como não para a porra do país? Cinco moleques que estavam lá brincando, da idade do meu filho. Eu tava ouvindo rádio, indo pro aeroporto, quando ouvi uma das mães deles falando sobre isso. Era uma dor E o Brasil não para. Tem que parar!", diz, se referindo aocinco jovens assassinados por policiais militares em Costa Barros, zona norte do Rio, na madrugada de domingo (29).

Aos 53 anos, Marco se considera um angustiado. O incômodo é gerado por coisas que podem ir de episódios de violência como o que descreveu até questões particulares, como o receio de se acomodar na profissão.

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"Melhorei com a idade, mas antes eu era um representante existencialista [risos]. Só que era por prazer, não sem felicidade. Fui criado no bar discutindo política e mudando o mundo. Era isso. Mas antes podia fumar dentro do bar, hoje não pode mais, o que é chato pra caramba [risos]. A gente tinha certeza absoluta de que estava mudando o mundo com o teatro", diz à repórter Marcela Paes, enquanto dá uma olhadela para o maço que deixou sobre a mesa e toma um gole do café.

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Para ele, o contrato que mantém com a Globo há muitos anos tem dois lados. Diz que já viu muito ator bom se acomodar pela segurança e comodidade proporcionadas pela emissora. E teme que o mesmo aconteça com ele.

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"Claro que não é bom perder um emprego. É cômodo ter um contrato. Mas ao mesmo tempo isso pode ser empobrecedor. Minha cabeça está sempre preparada para um outro plano. E não é plano B. É só outro plano. Todo mundo, em algum momento, vai ser jogado fora em algum lugar. O único lugar que não vai me jogar fora é o meu cantinho, que é o teatro", explica.

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Também já gostou menos de fazer novelas. Antes se chateava com o tempo consumido em cada folhetim. Hoje consegue ver vantagens neste tipo de trabalho, que iniciou em 1993, em "Renascer".

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"O ator brasileiro não tem como escapar desse troço da novela. Sempre é mais pela grana. Ainda faz parte do imaginário do público e cada vez o produto vai melhorando. Hoje eu vejo muita coisa positiva. A Globo já ajudou a levantar muita peça de teatro minha. Sou grato."

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Cria dos palcos –do tipo que faz iluminação ("Não é aprender a dar ordens. Tem que subir na escada, apertar parafuso"), já ficou na bilheteria e limpou banheiros em peças suas–, Marco não entra em um espetáculo há um ano e meio. E diz que está morrendo de saudade.

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"Ser ator é ter essa presunção ingênua. Você precisa chegar nesse ponto de achar que aquele troço que você faz é importante. Senão você não vai pro palco todo dia. Você fica pensando que é tudo um puta saco. Não pode beber à tarde, não pode comer feijoada [risos]. Eu ouvi uma frase do [dramaturgo] Plínio Marcos que eu guardei pra sempre, acho isso ainda hoje. Ele dizia assim [imita a voz de Plínio]: 'Rrrrricca, se você conseguir subverter um [espectador] por dia, já tá bom'."

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Durante o período longe do teatro, investiu em papéis no cinema. Atualmente está em cartaz com filmes rodados lá atrás: o controverso "Chatô, o Rei do Brasil", filmado há 15 anos, e "O Fim e os Meios", feito há quatro.

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Sobre sua atuação em "Chatô", no qual vive o protagonista, ele é sucinto: "Não gosto de me ver em nenhum filme. É uma tortura. Esse caso foi um pouco mais estranho porque eu estava muito mais novo, foi há mais de dez anos, mas não vou ficar nessa de poderia ter sido melhor ou pior", diz.

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Ele defende o diretor do longa, Guilherme Fontes, que foi acusado de irregularidade no uso do dinheiro público. "Se for demonstrado que as acusações foram totalmente infundadas, cabe uma retratação ao Guilherme."

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Em "O Fim e os Meios", Marco interpreta um assessor político que se envolve em um esquema de corrupção. "Olha, eu fiz laboratório na Câmara e no Senado e fato é que ninguém trabalha! Tô falando sério. Só via o Eduardo Suplicy [na época senador] correndo de uma comissão pra outra. O único", diz, arrancando risos da plateia no debate realizado depois da exibição do filme.

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Apesar de mostrar o incômodo com a situação política do Brasil, diz odiar o clima de "Fla-Flu" que se instaurou, segundo ele, muito por culpa das redes sociais.

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"Ontem eu ouvi uma discussão na mesa do lado da minha num restaurante em que uma pessoa disse: 'Tava muito a fim de ver esse filme do Chico Buarque'. Aí a outra pessoa respondeu assim: 'Eu não vou dar crédito pra esse cara que tava falando bem da Dilma' [risos]. Sabe? Parece que histórico da pessoa inexiste. É possível relativizar. Não precisa ser assim", diz.

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Em seu histórico, Marco contabiliza uma experiência como diretor de cinema, em 2009, quando fez o longa "Cabeça a Prêmio", baseado no livro de Marçal Aquino. "Dirigir filme foi a coisa mais prazerosa da minha vida. O que foi duro foi produzir, lançar e ver como os distribuidores maltratam o cineasta e o criador brasileiro. Eles tratam como se fosse segunda classe. Isso porque eu ainda tenho um pouco de acesso"

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Casado e pai de um adolescente de 16 e de uma menina de três, o ator abre um sorriso quando menciona os filhos, mas fala com visível receio sobre qualquer assunto ligado à vida pessoal. A cisma vem também da época em que era casado com a atriz Adriana Esteves, de quem se separou em 2004. Durante o período, virou alvo fácil para os paparazzi, relembra.

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"Me incomodei quando tentaram entrar na minha vida por causa de separação, filho que nasce, enfim Acho isso terrível. É tão complicado quanto ser assaltado na rua o tempo inteiro. Tenho uma regra clara: na minha casa não entra revista de fofocas e celebridades. Quer ler? Tem que ser da porta pra fora."

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O desaparecimento de seu irmão, o produtor Giuliano Ricca, no fim de 2014, também é um assunto do qual o ator não gosta de falar. Ele desapareceu durante uma viagem de carro de São Paulo ao Rio de Janeiro.

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"Seguro a minha dor. Não é que ele era o irmão de uma pessoa conhecida. Ele era muito conhecido. Era uma das pessoas mais queridas desse meio teatral", diz, encerrando o assunto.

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Décadas depois de ter começado a carreira, Marco ainda divide a vida em estar ou não em cartaz com uma peça.

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"O teatro me cura e me deixa vivo. Me dá saúde, literalmente. Mas também tem o outro lado. Sem peça eu sento com meu filho pra ver um jogo de futebol e acho isso a melhor coisa do mundo. É um tesão. Tomar uma cerveja vendo um jogo, essa coisa meio classe média fuleira... Isso é o que eu tenho como objetivo."


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