Folha de S. Paulo


Quem critica protetores de animais não ajuda ninguém, diz Luisa Mell

São quase 11h e a ampla cobertura nos Jardins onde mora Luisa Mell, 36, está agitada. Na sala, ela decide a "missão do dia" ao lado do amigo Rafael Leal, 29. Seus cachorros, Marley e Gisely, dois idosos labradores de 13 anos, caminham a passos lentos para lá e para cá. No quarto, a babá cuida de Enzo, o primogênito da falante apresentadora e defensora de animais.

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"Ela acha que vai mudar o mundo." Sorrindo, a paulistana reproduz para o repórter Joelmir Tavares a frase que ouve do marido, o empresário Gilberto Zaborowsky, 53, presidente da Zabo Engenharia. Ela quer começar a mudança salvando os bichos que surgem em seu Facebook junto com pedidos de socorro.

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Com mais de 1,8 milhão de seguidores, a página é uma grande galeria de cães doentes e abandonados à espera de resgate. O engajamento de Luisa na causa ganhou fama com o "Late Show", programa exibido na RedeTV! entre 2002 e 2008, e hoje segue com o instituto que leva o nome dela.

Naquela manhã, enquanto apelos caninos brotam na tela do celular, ela se mostra chateada com a decisão da Justiça, do dia 14 deste mês, que derrubou a proibição da venda de foie gras na cidade de SP. Mas já organiza protestos contra a revogação.

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Por um segundo, pensa nela própria. "Tô desesperada. O foie gras é caro, é servido nos lugares que eu frequento." E brinca: "Falei para o meu marido: 'Acho que vão cuspir no meu prato'." Mas diz que falou sério ao ficar cara a cara com Fernando Haddad (PT) em junho e pedir para ele sancionar a lei. Além do veto ao fígado gordo de patos e gansos, a norma assinada pelo prefeito acaba com a venda de pele de animais criados para esse fim.

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Com a vigília na prefeitura, afastou-se pela primeira vez do filho desde o nascimento dele, em fevereiro. "Fiquei umas seis horas lá. Almocei sentada na calçada." Só sossegou quando foi recebida pelo prefeito e entregou a ele as mais de 100 mil assinaturas que ajudou a coletar.

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Luisa faz uma careta e empurra as mãos no ar para mostrar como o petista reagiu ao olhar um vídeo sobre a fabricação da iguaria, que envolve alimentação forçada das aves, com um tubo enfiado na garganta. "As pessoas querem comer foie gras e usar pele, mas não querem ver como é feito, né? Eu também não aguento!", diz, quase chorosa. "É porque sei o que acontece que luto para mudar."

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Luta com a ajuda de uma rede de voluntários e clínicas veterinárias que dão descontos ou trocam os serviços por divulgação de Luisa. "Fazemos parcerias. Porque óbvio que ninguém trabalha de graça. Só eu!" E dá uma risada, sentada no comprido sofá claro da sala de pé-direito alto.

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Com a venda de produtos, como camisetas de R$ 64,99 e mantas infantis de R$ 149,99 bordadas com a expressão "Adotei", mantém um abrigo para 400 cães e faz feiras de adoção. Segundo ela, cada uma custa, por baixo, R$ 3.000 só com exames, vacinas e banhos. "Mas meu marido brinca que no final ele sempre faz um chequinho pra ajudar!" Diz ter fechado a conta em uma das clínicas no ano passado em R$ 100 mil.

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Gasta também com advogados, por causa dos processos em que aparece como autora, testemunha ou ré. "Me arrisco muito e pago um preço por isso", diz a ativista, formada em direito pelo Mackenzie. Quando acode bichos em condições ruins, ela chama a polícia e registra boletim por maus-tratos contra o dono.

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A invasão ao Instituto Royal, da qual participou em 2013 para retirar 178 beagles usados em pesquisas, "não deu em nada" na Justiça para ela, afirma. Após o caso do laboratório, "encheu o saco" de Geraldo Alckmin (PSDB) contra os testes em animais para cosméticos e produtos de limpeza. O governador baixou a proibição no ano seguinte.

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Relembra o dia em que estava "brigando com um traficante por causa de um cachorro e começaram a chegar outros bandidos de moto" e seu motorista arregalou os olhos ao vê-la entrar na casa atrás do bicho. "Conheço todas as favelas de São Paulo", diz. E resolve partir para a região do Jardim Ângela em sua missão.

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Vegana (não come carne nem derivados de animal, como leite e ovos), ela pega a lancheira rosa com estampa de fadas da Disney. Dentro, água, sanduíche, maçã e castanhas. Publica no Facebook as fotos do cão que irá buscar. "Acordei hoje com centenas de pessoas me pedindo para resgatá-lo", escreve, com a hashtag #emergenciaanimal.

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O colega Rafael assume o volante. Fazem pouca ideia do que vão encontrar. "Se tiver uma criança aprisionada numa casa há dias sem comer, também vou pular o muro, assim como faço com o cachorro", diz ela, em resposta à crítica que costuma ser feita a defensores de bichos.

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"Normalmente quem fala isso não ajuda ninguém." E repete uma frase da atriz francesa Brigitte Bardot, militante da causa animal: "Não existem bons ou maus combates, existe somente o horror ao sofrimento aplicado aos mais fracos". Diz que ajuda crianças, mas não divulga porque os bichos são seu "trabalho".

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Ainda no caminho, Luisa, que participou de uma atração sobre pets exibida pelo SBT entre outubro de 2014 e janeiro deste ano, afirma que voltar à TV não é uma meta. Ela admite que pode afastar patrocinadores com exigências como a de que a empresa não faça testes em bichos.

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Chegam ao destino e encontram Tyson, cachorro da diarista Claudineia Pereira Santos, 40, e de seus seis filhos. Magro e ferido, ele está num canto da sala. Tem pulgas e alergia. Mas, diferentemente do que se achava até então, não é um caso de abandono. A dona concorda que o bicho seja levado para tratamento. Luisa engrossa a voz ao falar com ela: "Só vou te devolver se você se comprometer a cuidar dele. Cachorro é igual a uma criança de dois anos, não se vira sozinho".

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Beatriz, 15, filha de Claudineia, chora ao ver seu cão no carro. "O melhor para ele é se tratar e voltar, em vez de ir para adoção. Gostam dele", diz a ativista. Atendido em uma clínica em Pinheiros, Tyson recebe carícias de Luisa: "Vou cuidar de você, te dar uma coisa que você nunca comeu". Rafael não resiste à piada: "E não vai ser foie gras!".


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