Folha de S. Paulo


Marco Nanini: 'Nunca estive no armário, mas precisei me posicionar'

Aos 66 anos de idade e 50 de carreira, Marco Nanini se sentia "estressado" quando "A Grande Família", o seriado da TV Globo em que viveu Lineu por 14 anos, chegou ao fim, em setembro. "Um desgaste acumulado, idade..."

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Foi descansar fazendo o que mais ama: teatro. Mergulhou no universo de Oscar Wilde para "Beije Minha Lápide". A peça esteve em cartaz até março em SP e retorna à cidade no segundo semestre.

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O ator, que em sua mochila carrega uma cartela do tranquilizante Rivotril, um frasco de álcool gel e seu iPad, já anda tão ativo que até escolheu o texto que vai montar nos palcos no ano que vem -"Ubu Rei", de Alfred Jarry.

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Entre cafés e cigarros, Nanini conversou com o repórter Joelmir Tavares. No camarim, ele tem orixás que ganhou de presente e come presunto antes de entrar em cena.

PROFISSÃO: ATOR
Gosto muito de fazer teatro. Foi o que mudou a minha vida, minha cabeça. É o único lugar onde você repete, repete, repete, e com isso vai aprimorando, aperfeiçoando, observando. No cinema tem que estudar, pesquisar, mas geralmente é a primeira rodada que vale. Como você não se programou para repetir, joga tudo na primeira vez.

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Todo mundo precisa se reciclar. Senão fica fazendo só o que sabe. Esses atores [colegas de 'Beije Minha Lápide'] são extraordinários, não só por causa do talento, mas porque são muito disciplinados.

TV
Eu não sei ligar a televisão. Tenho um problema com essas coisas digitais. Sou do tempo do "on" e "off". Agora vejo um controle e perco a minha cabeça, fico irritado. Vi um pedaço do "Rebu", gostei muito. E tô começando a ver cinema. Vi alguns filmes nos últimos meses. Às vezes pelo Netflix. Aí tenho que telefonar pra pedir ajuda.

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Eu nunca vi "Big Brother". Não tenho o menor interesse em saber se Anita ficou chateada com Paquita. Ou se Ramon trepou debaixo do edredom com Samanta. Mas tem uma audiência enorme. Às vezes acho que é carência. A pessoa se realiza vendo o outro. E o artista fica exposto a isso também [curiosidade sobre a vida alheia].

'A GRANDE FAMÍLIA'
Era uma rotina tão puxada. Gravações de segunda a quinta. Mas, quando existe o respeito, a admiração, esses sentimentos mais nobres, vai tornando a coisa mais tranquila. Ficou uma saudade boa. Não tem nenhum machucado. E faz falta. Quando acabou, fiquei meio perdido.

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Tenho contrato com a Globo até 2016. Tô esperando o próximo projeto. O que é importante pra mim é o convívio. Se o ambiente for desagradável, mina completamente a criatividade.

LAR DOCE LAR
No Rio, moro na Lagoa. E eu tenho um sítio na região serrana. A cidade grande é interessante, mas estressa muito. O trânsito é uma loucura. O telefone não para, os apelos não param.

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Tenho em casa dez cachorros. E no sítio três, e uma gata que apareceu lá. [Olha uma foto dos cães] Que graça, hein? Cada um de uma personalidade, acredita? Eles são carinhosíssimos. Clarinha, Pretinha, Lôra, Faísca, Batata, Zumba, La Toya, Babão... Eu nem gosto de ter muito apego, para não sofrer quando eles morrem.

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Eu me divirto muito lendo, ou estudando assuntos que me interessam. Às vezes o livro joga uma isca e você vai pesquisar. Internet ajuda muito. Domino a internet dentro de um campo estreito. Mas também é só ligar o Google, ver o site e ir. Às vezes fico desesperado porque não abre a internet. Acho que aconteceu uma catástrofe. Aí é uma tomada que não tá ligada.

GALPÃO GAMBOA
Eu queria dar uma coisa pro Rio, pra cidade. O trabalho social que a gente faz [na ONG] é muito interessante, me dá alegria. Oferecemos aulas fixas de luta, de ioga, de teatro. E oficinas de artes plásticas, literatura. É bonito ver.

Tenho um carinho pela turma das senhorinhas que fazem ioga, admiro os meninos que fazem as lutas, que começaram lá. Uns já querem ser profissionais. Gostam muito, me agradecem. A gente motivou toda uma região.

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É tão difícil [ter patrocínio], cara. Tem um custo de R$ 50 mil por mês, para 300 vagas. Ponho [dinheiro do próprio bolso], com o maior prazer. É algo que eu recebi de presente com a idade. Aos 60 anos eu descobri esse lugar e o mato. Essas coisas que vão chegando vão te acarinhando.

DINHEIRO
Não sei lidar com dinheiro. Acho que herdei isso da minha mãe. Não sei fazer conta. Não sei onde é minha conta no banco. [Gasto] Com a Gamboa, gosto de viajar e de manter o sítio e as minhas coisas.

SAÚDE
Operei de catarata em dezembro e tive uma recuperação muito lenta. Aí parei a ginástica. Aproveitei também pra chutar o pau da barraca. Já que viria para São Paulo [para a temporada no teatro], resolvi engordar logo. Aqui tem restaurantes maravilhosos. Agora preciso de um regime. Devo estar com uns 230 [kg]! [risos] Penso em parar de fumar, mas não consigo. Fumo meio maço, às vezes um por dia. Tô diminuindo. Tudo tem seu tempo para fazer.

POLÍTICA
Votei na Marina Silva no primeiro turno. No segundo, esperei ela se posicionar e votei no Aécio [Neves]. Achei o resultado interessante. Agora a oposição tem um respaldo de votos. Foi uma cisão assustadora. O governo agora tem que governar para a outra metade. Mas não acredito na política não. Acho tudo estranho. Nunca entendi direito...

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É muito bom o fato de pessoas investigarem [os casos de corrupção]. Nós temos o Joaquim Barbosa, que foi a primeira visão que a gente teve. A gente começou a ter o Supremo por perto. Passou a ver pela televisão. Agora esse [juiz Sergio] Moro. Tem muita coisa que é evidente. Pelo menos dá uma esperança de que as coisas podem melhorar.

SER GAY
Houve avanços significativos. Mas ainda é um tabu. Tem gente que é condenada à morte! Eu nunca estive no armário. Mas me senti pressionado por mim mesmo, vendo os casos de agressão, a me posicionar. Não ia ficar na sombra. Só por isso. Mas o fato começou e se encerra aí. Minha vida continua como era. A única coisa que mudou é que achei uma oportunidade de me declarar sobre o assunto.

AMORES
[Meu estado civil é] Livre. Chega uma hora que... Casamento, compromisso... Dá muito trabalho. Se rolar, rolou. [Paixão] É coisa pra quando você tem fôlego. Não vou atrás. Tô quieto, sossegado.

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O amor não depende do sexo só. Quando ele vem acoplado, tudo bem. Mas o interesse sexual é traiçoeiro porque vem e vai. A paixão é mais fugaz. Não dura pra sempre. O amor é mais construtivo. Eu busco mais o amor.


A fé é importante. Claro que acho que há algum ser comandando isso, que não sei quem é. Fui educado no catolicismo. Mas eu não sigo religião. Eu rezo por conta própria. Respeito, gosto, mas não sigo essas regras. São todas muito restritivas, né?

MORTE
A minha própria [morte] não tem jeito, nem a dos outros. Vai ter um dia em que eu vou encontrar com ela. Espero que seja tranquilo. Mas não tenho medo dela não.

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Não tem o que pensar [sobre envelhecimento]. Sentir, se adaptar, agradecer por ter vivido até agora. É uma façanha, né? Ver uma Bibi Ferreira no palco aos 92, por exemplo... Não sei [se é assim que me vejo aos 92 anos]. Porque é um sorteio, né?


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