Folha de S. Paulo


Ironia e horror no hotel

Hipóteses para explicar o sucesso dos filmes de Wes Anderson: 1) porque eles são bons; 2) porque são bons ao imitar algo que não seria "bom" segundo os parâmetros correntes; 3) porque percebemos a sutileza do item 2 fingindo que estamos tratando do 1, e nossos amigos fazem o mesmo, e essa piada interna em cima da piada externa nos faz sentir inteligentes e cultivados.

"The Grand Budapest Hotel", seu mais recente trabalho, embaralha um pouco as explicações. É a reação 3, a princípio, que nos faz acompanhar com interesse as peripécias mirabolantes de um concierge (Ralph Fiennes), seu ajudante (Tony Revolori), idosas lúbricas e uma família cheia de vilões num país fictício entre o que parecem ser as duas guerras mundiais.

De fato, na maior parte do filme a impressão é de estarmos diante do "camp". Num ensaio de 1964, Susan Sontag escreveu sobre este conceito de difícil definição, que se alastrou sob diferentes roupagens nas últimas décadas. Algo como um consumo irônico, uma sensibilidade baseada mais no artifício que na natureza, mais no estilo que no conteúdo, estendendo-se a noção de estilo a ideias, pessoas e objetos.

A diferença é que Anderson não é apenas um apreciador do "camp", como os exemplos que inspiraram o ensaio de Sontag —os dândis da cultura de massa que enxergam "bom gosto entre o mau gosto" e reverenciam produtos artísticos originalmente ingênuos, cheios de paixão inocente.

Na obra do diretor, qualquer possível paixão é mediada pelo cálculo. Suas citações são precisas fingindo ser aleatórias. Suas piadas são sofisticadas fingindo ser pueris. Seu desprezo culto à seriedade, à relevância, a uma certa estética que faz força para ser atual, é tanto um mérito quanto um limite.

Filmes como "Rushmore", "A Vida Marinha com Steve Zissou" e "Moonrise Kingdom", que angariaram elogios merecidos ao cineasta e a seu time costumeiro de atores (Bill Murray, Owen Wilson, Adrien Brody, Jason Schwartzman), parecem feitos por um sujeito autoconsciente demais para correr certos riscos. O do fracasso mal informado, por exemplo. Ou o da breguice.

(Ou, diria uma crítica de matriz conservadora, o de causar real impacto afetivo e intelectual no espectador —algo mais provável em obras que usam abordagens diretas, de tom realista ou engajado, para enfrentar temas solenes como amor e justiça.)

Ocorre que "The Grand Budapest Hotel" é um ponto fora dessa curva. Nominalmente baseado na obra de Stefan Zweig, o escritor que viu o nazismo destruir seu velho mundo europeu, liberal e burguês (ou tardiamente aristocrático), e que se suicidou no Brasil acreditando que "cada dia que raia na janela pode esmagar nossa vida", o filme lida com material mais sombrio que o de praxe na cultura da ironia.

O resultado é uma comédia ambígua, com toques crescentes de amargor à medida que se aproxima do desfecho. Em outros títulos de Anderson, a nostalgia era uma espécie de jogo entre cínicos charmosamente afetados. Agora, o contexto em que se passa a trama exige mais que um fascínio paródico por roupas, cores, figuras humanas e convenções narrativas de um mundo que não existe mais.

Uma coisa é ter saudades de tradições obsoletas e meio inofensivas: o escotismo em "Moonrise Kingdom", as regras dos colégios de elite em "Rushmore", os clubinhos masculinos que reverenciam tipos como Jacques Cousteau em "Steve Zissou". Outra é lidar com a herança do Império Austro-Húngaro, a República de Weimar, o verniz de civilização que chocou os ovos classistas, racialistas e militaristas da barbárie moderna.

Nesse universo, um personagem pode ser morto porque carrega o documento errado. Ou porque um guarda não vai com sua cara no trem. Refugiados lembram a tortura e a morte de parentes. O fim do filme na vida real, com a Europa mergulhando no mais sangrento dos séculos, é conhecido de todos.

Como ser "camp" ao mostrar o impacto do horror histórico na vida privada? É uma pergunta que Wes Anderson parece se fazer em "The Grand Budapest Hotel". Nas cenas derradeiras, ao preferir a abordagem direta à proteção das piscadelas de olho, sua resposta não deixa de ser inédita: a melancolia que fica quando sobem os créditos é —palavra talvez nunca usada numa crítica ao diretor— emocionante.


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