Folha de S. Paulo


Jogos de pressão

Ao anunciar a intenção de disputar a eleição presidencial norte-americana de 2016, o bilionário Donald Trump desencadeou uma reação com impacto não apenas na política, mas também na economia e na mídia de seu país.

"Quando o México envia seu povo [para os Estados Unidos], eles não estão enviando o seu melhor", disse Trump no evento em que comunicou o plano de disputar as primárias do Partido Republicano. "Eles estão trazendo drogas, eles estão trazendo crime, eles são estupradores e algumas são boas pessoas".

Buscando agradar o eleitorado conservador, que vê como excessivamente liberal a nova lei de imigração, aprovada por decreto do presidente Barack Obama, Trump ofendeu o universo cada vez maior de eleitores de origem hispânica.

Foi, tudo indica, um cálculo político bem pensado, que escapa ao interesse deste colunista de televisão avaliar. O que me chamou a atenção foi a intensidade da repercussão.

A Univision, rede americana que transmite em espanhol, anunciou que não exibirá mais o concurso Miss USA, programado para 12 de julho, e o Miss Universo. Tratam-se de eventos que pertencem ao grupo de comunicação de Trump.

A NBC informou igualmente que cancelou suas relações com a empresa, o que inclui o reality "O Aprendiz".

A Televisa, maior rede de TV mexicana, não só desistiu de mostrar o Miss Universo como informou que o México não enviará sua representante à competição.

O grupo Farouk Systems, dono de marcas de produtos para cabelos, cancelou o seu patrocínio ao concurso de beleza. E a rede Macy's anunciou que uma coleção de roupas masculinas com a marca Trump, comercializada desde 2004, não mais será vendida em suas lojas de departamentos.

Trump reagiu anunciando um processo de US$ 500 milhões contra a Univision e disse que a decisão de romper com a Macy's foi sua, e não da empresa. Também acusou a NBC e a rede de lojas de apoiarem "imigração ilegal".

Longe ainda de estar encerrado, o caso é ilustrativo da disputa legítima que ocorre em um ambiente democrático e de livre concorrência. Mostra como diferentes empresas são sensíveis aos interesses de seus consumidores e como os comunicadores estão cada vez mais sob escrutínio do público.

A situação mais próxima a essa de que me recordo no Brasil ocorreu em 2011, quando Rafinha Bastos, então apresentador do "CQC", da Band, fez, ao vivo, uma piada grosseira sobre a cantora Wanessa Camargo.

Na esteira da repercussão do fato, o apresentador perdeu o cargo e o emprego, mas nunca ficou totalmente claro, infelizmente, de onde partiu a pressão que levou a emissora a tomar esta decisão.

O noticiário sobre televisão no Brasil, pelo interesse que desperta, vive um ritmo frenético no momento –vide a repercussão de um comentário de Zeca Camargo.

A profusão de colunistas, incluindo este que escreve, ajuda a difundir bastidores e fofocas sobre as mais variadas disputas quase sempre sob o manto do anonimato. Isso dificulta a compreensão dos reais interesses em jogo.

A falta de transparência nesses jogos de pressão é um pequeno exemplo da imaturidade e da pobreza do debate sobre comunicação no Brasil.


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