Folha de S. Paulo


Lava Jato dá fôlego à coalizão global anticorrupção

A coalizão internacional de instituições que financiam o combate à corrupção global enfrenta um problema. Em pouco tempo, seus investimentos mundo afora passaram de US$ 100 milhões para US$ 5 bilhões ao ano. No entanto, esse volume de recursos não reduziu os níveis detectados de roubalheira.

O trabalho é ingrato porque medir a corrupção é tarefa difícil. Além de ser uma atividade secreta, o conceito engloba fenômenos tão diversos como suborno, propina, extorsão, fraude, nepotismo, tráfico de influência, falsificação de documentos e outras práticas truculentas.

Além disso, os indicadores existentes mensuram corrupção em nível nacional quando a atividade é transnacional. Por exemplo, o Índice de Percepção da Corrupção, um dos mais utilizados, lista a Suíça como um dos países menos corruptos do mundo. Só que a Suíça opera como guardiã de fundos ilegais para bandidos de todo o planeta, servindo de escudo para o crime organizado global —Maluf, Cunha e tantos outros ilustram o ponto. Sem indicadores capazes de levar em conta a natureza transnacional do problema, nenhuma estratégia de detecção e prevenção terá grande chance de êxito.

Os especialistas envolvidos no assunto entendem essas limitações e, há tempos, quebram a cabeça para dar um salto qualitativo no combate à corrupção por meio de pesquisa nova e métodos cada vez mais sofisticados. A coalizão envolve redes de pesquisadores dentro e em volta de organizações como ONU, OEA, OCDE, União Europeia, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Banco Interamericano e alguns governos nacionais, com destaque para os EUA.

Não à toa, essa turma passou a olhar com atenção para a Lava Jato. A evidência produzida pela operação é valiosa porque oferece níveis de detalhe antes inexistentes sobre como funciona na prática o crime transnacional que associa Estado e setor privado contra os interesses do contribuinte.

Além disso, a Lava Jato inaugurou práticas de investigação conjunta com terceiros países, mostrando um caminho para a cooperação jurídica além-fronteira. Redes de juízes, procuradores e polícias com poderes de investigação não são novos, mas nesse caso ganharam papel central. Isso gera um acervo de lições inestimável para operações similares, em terceiros países, no futuro imediato.

Como os países possuem tradições jurídicas diferentes, essa tradução nunca será tranquila. De quebra, ministérios da Justiça e do Exterior hesitam em adotar instrumentos que possam expor seus próprios governos.

Nada disso, contudo, tende a reduzir o ponto central: as práticas desenvolvidas no correr da Lava Jato terão um legado muito além da cena política nacional. Seu impacto já é global.


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