Folha de S. Paulo


O desafio da China para o mundo

A tentativa de transição econômica da China tem profundas implicações, não apenas para a nação emergente, mas para o resto do mundo. No curto prazo, o desafio é gerenciar os spillovers [alastramentos] do que poderia ser um acentuado abrandamento da atividade econômica da China.

No longo prazo, o desafio é como lidar com a integração de uma potência financeira na economia mundial. Na realidade, porém, o que acontece no curto prazo vai moldar também o longo prazo.

A última pesquisa "Economic Survey" da Índia fornece uma taxonomia instigante sobre crises. O impacto externo de uma crise depende de, afirma, se ela ocorre em países sistemicamente importantes, se é o resultado de empréstimos orçamentais ou privados e se as moedas dos países afetados valorizam ou desvalorizam.

O que essa análise tem a ver com a China? A resposta é que é um país sistemicamente importante cujo endividamento das empresas é cada vez mais alto e cresce rapidamente. Isso pode levar a uma parada súbita no investimento e a uma rápida depreciação.

Essa desaceleração acentuada não é de todo impossível. A combinação de um aumento, em última análise insustentável, na dívida corporativa com a dependência da demanda de taxas altíssimas de investimento cria vulnerabilidade.

À medida que a economia desacelera para um crescimento abaixo de 7% ao ano, taxas de investimento de cerca de 45% do Produto Interno Bruto não fazem mais sentido econômico. O setor privado também é responsável por cerca de dois terços do investimento. Assim, as forças de mercado podem impor um ajuste doloroso.

Seria possível prever duas respostas do governo: um enorme aumento dos deficits orçamentais, como nas crises financeiras do ocidente, e uma política monetária mais agressiva. Mas uma taxa de câmbio mais fraca também pode ser bem-vinda, como uma forma de compensar as pressões deflacionárias domésticas.

No Fórum de Desenvolvimento da China, realizado em Pequim neste mês, Zhou Xiaochuan, presidente do banco central do país, indicou que era razoável reduzir as reservas cambiais acumuladas em grande escala (e não planejada).

Mas deve haver algum limite para isso. Controles sobre a saída de capitais também poderiam ser apertados, mesmo que isso fosse contra os planos da China para a abertura da balança de capitais.

Enquanto a economia chinesa tem enfraquecido, a política monetária e de crédito, afrouxado, e a taxa de câmbio, caído, ainda não se pode ver tal crise. Os principais fatores das saídas de capital também parecem ser o pagamento antecipado de empréstimos em moeda estrangeira e o afrouxamento dos "carry trades", em parte desencadeado pela percepção de um maior risco de desvalorização do Yuan. Mais uma vez, embora esteja enfraquecendo, o crescimento da demanda certamente não entrou em colapso. Até aqui, tudo bem, então. Mas essa história ainda não acabou.

A economia mundial não está em posição de absorver outro choque deflacionário grande. A possibilidade de um choque como o esse na China ao longo dos próximos anos é real. Mas um problema de longo prazo também se coloca: como integrar a China no sistema financeiro global.

A experiência sugere que a liberalização e a abertura dos sistemas financeiros frágeis simultaneamente, muitas vezes, terminam em vastas crises. Se o país em questão é sistemicamente importante, tal crise será global.

Taxas de câmbio flutuantes podem atenuar o impacto. Mesmo assim, uma crise em uma economia sistemicamente importante terá efeitos enormes.

Por essa razão, a abertura do sistema financeiro da China para o mundo deve ser considerada como uma questão de interesse global. Um documento recente do Reserve Bank of Australia [o banco central do país] ilustra alguns riscos. Um aspecto significativo é o potencial para um grande aumento dos fluxos bidirecionais de capital de investimento, que ainda são modestos tanto vindo da China quanto indo para o país.

Nesse momento, os controles sobre a saída [de recursos] permanecem apertados. Mas considere algumas importâncias relevantes: a poupança anual bruta da China eram cerca de US$ 5,2 trilhões em 2015, ante US$ 3,4 trilhões dos EUA; seu estoque de agregado monetário largo, a medida mais ampla da oferta de moeda, foi de US$ 15,3 trilhões no final do ano passado; e o estoque total bruto de crédito na economia foi cerca de US$ 30 trilhões.

A China é a superpotência da poupança. Não é difícil imaginar uma enorme saída [de recursos] bruta, devido à diversificação de carteira e à fuga de capitais, se os controles forem afrouxados. Contra essas vastas saídas potenciais, as reservas em moeda estrangeira de US$ 3,2 trilhões seriam rapidamente esgotadas.

Embora também pudesse haver demanda de carteira externa por ativos chineses, a política interna e as mudanças institucionais necessárias para tornar isso uma realidade são suscetíveis a serem incrivelmente exigentes.

É provável, portanto, que o impacto da liberalização da balança de capitais seja uma grande saída líquida de capitais da China, uma taxa de câmbio mais fraca e um superavit em conta corrente maior. Um investimento menor iria reforçar isso. É difícil imaginar como essa mudança poderia ser instalada. Só é preciso pensar em possíveis impactos sobre os mercados de ativos, as taxas de câmbio e os saldos em conta corrente no resto da economia mundial.

Em seu discurso no Fórum de Desenvolvimento da China neste mês, Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, observou, com razão, que "uma maior integração global traz consigo um maior potencial de um "spillover" – através de efeitos no comércio, nas finanças ou na confiança".

Assim como a integração contínua, uma cooperação eficaz é fundamental para o funcionamento do sistema monetário internacional. Isso requer uma ação coletiva de todos os países. "Nesse momento, nada é mais importante do que a gestão cooperativa das tensões imediatas na economia chinesa e os desafios de longo prazo da integração financeira da China".

Se um deles for mal administrado, pode exercer uma pressão insuportável sobre o nosso sistema econômico global integrado. A economia mundial ainda está lutando para lidar com as consequências das crises financeiras ocidentais. Ela pode falhar totalmente ao lidar com uma [crise] chinesa. A última vez que um poder financeiro hegemônico surgiu, o mundo sofreu a Grande Depressão. Ele tem que se sair melhor desta vez.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


Endereço da página: