Folha de S. Paulo


Esperança e medo na interminável crise grega

A crise econômica grega tem arruinado o país e a zona euro por seis anos. A eleição em janeiro passado, que levou Alexis Tsipras e seu partido de esquerda, o Syriza, ao poder, causou ainda mais atrito entre a Grécia e o resto da zona do euro.

Tsipras prometeu desfazer a austeridade —uma promessa que não poderia cumprir por conta própria.

No final, após vencer um referendo em junho contra as condições oferecidas pela zona euro, ele concordou, em julho, com um novo programa de três anos da zona do euro, de € 86 bilhões, em termos não muito diferentes daqueles que tinha persuadido o povo grego a rejeitar.

Depois de uma divisão em seu partido, Tsipras, então, ganhou outra eleição em setembro. No entanto, os controles de capital impostos em junho seguem em vigor e a economia entrou em recessão.

Será que existe uma boa chance de recuperação econômica em 2016? Isso esteve em minha cabeça enquanto eu visitava Atenas na semana passada. Minha conclusão foi de que, sim, a chance existe. Mas não é uma boa chance, infelizmente.

O ponto de partida tem que ser as diferenças de opinião entre os principais atores: o governo grego e a comunidade política como um todo; o Fundo Monetário Internacional e os credores da zona do euro, especialmente a Alemanha.

Como Tsipras deixou claro na semana passada, um dos seus objetivos é evitar outro programa do FMI. Ele acha as demandas do fundo difíceis de suportar. De forma mais abrangente, acha que "quanto mais cedo se afastar do programa [de resgate], melhor para nosso país".

Observa: "Se a Grécia completar a primeira revisão em janeiro, estaremos cobrindo mais de 70% das medidas fiscais e financeiras do acordo". Ele espera que a Grécia recupere em breve sua soberania ou, com o FMI fora do cenário, pelo menos tenha que lidar apenas com outros europeus.

O governo de Atenas também está otimista em relação ao futuro econômico. Tsipras espera que os controles de capital restantes sejam retirados em março de 2016 e que a Grécia recupere o acesso aos mercados de capitais internacionais até o final do ano.

Os bancos foram recapitalizados de forma mais barata do que se temia e a confiança no setor bancário está voltando. O governo também espera que o crescimento seja retomado em breve.

No entanto, o governo está esperando mais alívio da dívida. O FMI concorda e isso é plausível. A previsão do Banco da Grécia é de que os juros devidos sobre a dívida pública saltem de 2% do Produto Interno Bruto até 2021 para mais de 8% em 2022 e fiquem acima de 4% até a década de 2040.

A sustentabilidade depende em grande parte dos termos da nova dívida. Se a zona do euro tornasse possível para a Grécia contrair empréstimos em condições triple-A para sempre, a dívida seria sustentável. Caso contrário, provavelmente não seria.

O FMI afirma que a dívida grega se tornou insustentável apenas porque o governo não conseguiu cumprir seus compromissos. Isso é questionável. A capacidade da Grécia para isso nunca foi credível. Além disso, enquanto o FMI apoia a Grécia no alívio da dívida, é muito cético em relação à sua capacidade de entregar as reformas estruturais na ausência de um consenso político de que as reformas são desejáveis.

Ele insiste, contra o governo, que o país está bem atrás de onde estava há um ano em termos de reformas. Retrocedeu em áreas importantes.

Um deficit fiscal primário considerável (antes de juros) também é provável no ano que vem. Um bicho-papão particular para o FMI é o gasto insustentavelmente generoso em matéria de pensões. O governo diz que cortar mais as pensões é impossível.

O FMI responde que as transferências fiscais para o fundo de pensões, de 9% do PIB, e os enormes cortes das despesas discricionárias são insustentáveis.

Os credores da zona do euro discordam do FMI sobre a necessidade de mais alívio da dívida. Mas a Alemanha, pelo menos, quer muito que o fundo continue a ser um credor.

É tão grande a desconfiança alemã neste (ou, na verdade, em qualquer) governo grego e na Comissão Europeia, que ela quer as condições ao estilo do FMI impostas à Grécia mais ou menos por tempo indefinido. Mas nem o governo grego nem os representantes do FMI gostam dessa possibilidade. O primeiro a odeia porque quer uma mão livre.

O último, porque teme que as condições para programas bem-sucedidos não existam. Sendo assim, eles não podem, em sã consciência, recomendar nenhuma das alternativas.

Muitos obstáculos para o progresso já existem: a revisão do programa da zona euro prevista para o início do ano que vem; a expiração do programa do FMI em março; a fragilidade da economia e, mais amplamente, a falta de confiança e segurança dentro da Grécia e entre ela e os credores.

Com a saída descartada atualmente por ambos os lados e um forte consenso político na Grécia de que um caminho deve ser encontrado para permanecer na zona do euro, esses atritos devem ser gerenciáveis.

Mas esse não é definitivamente um caso de "viveram felizes para sempre". É um mau casamento em que os dois principais parceiros concordam que o divórcio seria pior e o consultor procura uma maneira de abandonar o casal briguento.

Então, como essa confusão poderia acabar? Uma possibilidade é que um pacote de reformas suficiente seja promulgado e que uma suficiente recuperação econômica pós-crise chegue para convencer o governo grego a seguir com as reformas, gerando assim um círculo virtuoso de reforma e crescimento.

Outra é que o programa falhe mais uma vez, porque a própria economia falharia. O governo (que tem uma pequena maioria), em seguida, cairia, para ser substituído por outro pró-reforma e mais bem sucedido. Ainda outra possibilidade é que um governo bem-sucedido não chegue e, em última análise, a Grécia deixe o euro.

Isso é para o longo prazo. As decisões, porém, têm de ser tomadas logo, incluindo aquelas pelo FMI. No plano de fundo disso está desordem política na Espanha, o descontentamento na Itália e a crise migratória, da qual a Grécia está na linha da frente.

Olhei para o Parthenon. É velho, danificado e está em reforma. No entanto, espero que ele fique lá por mais e mais milênios. A Europa também é antiga, danificada e está em reforma. Espero que Grécia prospere dentro de uma zona euro estável. Sim, ainda é sobretudo esperança.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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