Folha de S. Paulo


Luiza e nós

A sociedade está acordando para essa chaga de "bater em mulher" e as mulheres estão assumindo situações que prefeririam nunca ter vivido. Não é fácil se expor. Principalmente, quando a falta de respeito, a agressão e o espancamento já não acontecem pela primeira vez. Geralmente, ao chegar à delegacia e, no caso de pessoas conhecidas, a mulher já passou pela humilhação e pela dor, algumas ou muitas vezes.

Não sei qual é o "trigger point", o gatilho, que a faz sair de casa e ter a coragem de denunciar. Certamente, o medo. Algo de dentro sinaliza que não tem mais conserto e a esperança se vai, a apreensão, a questão do exemplo para os filhos, a percepção de que a autoestima é corroída a cada episódio e... BASTA!

Frequentemente, as semanas ou dias à espera de a crise melhorar e a protelação da partida são determinantes para novas agressões e até uma fatalidade.

O que passa na cabeça das que ficam, que ainda se agarram à ilusão, ao "ruim com ele, pior sem ele", das que temem pela sobrevivência financeira, ou pelos filhos? Ou daquelas que pesam tudo e optam por pagar o preço do conforto e segurança material?

Por que engolir o respeito próprio, inventar histórias de "resgate da relação" e criar o autoengano do amor? Temor de enfrentar a sociedade, a família, as dificuldades reais de sobreviver ou perder status, o receio de não ficar com os filhos pelo poder do outro, de decepcionar amigos e não ser acolhida, da humilhação por ter permitido chegar ao ponto que chegou...

Não há o que não sirva para protelar o ato de coragem. Apesar dessa triste condição em que tantas mulheres ainda se submetem, o que importa é que "bater em mulher" não é mais um tema banalizado. Suscita indignação e repúdio!

Desde a vitória de milhares de mulheres que se engajaram, denunciaram e redigiram a hoje consagrada Lei Maria da Penha, acabou-se aquela conversa antiga: "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher". Bateu em Luíza, bateu em todas nós.

Não importa se foi ou não agressiva; se ambos tinham interesses na manutenção da relação; se acreditavam nesse amor; se como seres humanos não foram capazes de se apartar quando a incompatibilidade de gênios apontava um caminho perigoso...

A sociedade e a lei não estão mais interessadas.

Não podemos tolerar a violência.

Defendo a aprovação no Senado do projeto que confere a delegados e delegadas poder para assumir medidas protetivas, desde que em ato contínuo encaminhem para juiz e autor da agressão suas decisões — essa inclusão agilizará e ampliará o atendimento e afastamento do agressor de perto da vítima. Salvaremos vidas. É o que mais importa.


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