Folha de S. Paulo


Só estupro?

A "cultura do estupro" tem sido estudada no Brasil e em outros países. O estupro é banalizado, raramente os criminosos sofrem encarceramento e, segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", publicada nesta quinta (2), o Estado de São Paulo registra, pelo menos, um estupro de mulher em condição vulnerável por dia. Meninas até 14 anos ou adultas incapazes de consentir com o ato sexual. A questão é mais grave do que aparenta se pensarmos que, na realidade, vivemos um profundo e ancestral desrespeito individual ao ser humano. Seja mulher, negro, LGBT ou deficiente.

Indignamo-nos quando sabemos de um caso midiático como o da jovem estuprada por vários no Rio de Janeiro, quando agressões são feitas a uma pessoa negra, quando um homossexual é barbaramente assassinado ou um deficiente é constrangido e retirado da escola.

Entretanto, os que acham normal assediar uma mulher, obrigá-la a fazer sexo ou escutar galanteios indesejados ainda existem e são muitos, como atestam várias manifestações nas redes sociais.

"Usava vestido curto?", "é virgem?", "se meteu em lugar perigoso?", "qual a relação com o estuprador?", "era credora ou devedora na praça?". Como se interessassem essas questões numa acusação de estupro! Mas essas são algumas das pérolas nas redes, nada muito diferente do que perguntou o delegado afastado no caso recente no Rio de Janeiro: era adepta e gostava de sexo grupal?

Na medida em que se desenvolve a formação da cidadania, as mesmas mídias sociais exigem uma delegada especializada e uma apuração séria. Assim como o crime de racismo começa a dar cadeia, as jovens atrizes negras se destacam nessa luta e os homossexuais se organizam cada vez mais e comemoram a 20ª Parada LGBT com títulos emblemáticos como direitos trans, com grande repercussão.

A história é feita de avanços e recuos. Ou, como explicar, além das respostas econômicas, o crescimento da candidatura a presidente dos EUA de Donald Trump no seu reiterado desrespeito à pessoa humana?

Nossa cultura não é somente a do estupro, mas de um estágio civilizatório bastante tosco em relação aos direitos individuais.

Os instrumentos que perpetuam esse estado de coisas passam por programas de TV, "brincadeiras" e piadas preconceituosas que todos riem e ninguém repara a inadequação, a violência doméstica servindo como escola e exemplo, o bullying não reconhecido...

O enfrentamento passa pela escola. A partir de um aprendizado cidadão sobre a importância do respeito a todas as diversidades, à tolerância e, principalmente, à compreensão de que não somos iguais.

Temos que construir a cultura da consideração e respeito para sermos um país do qual não sintamos vergonha.


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