Folha de S. Paulo


Samba na Dois

O cenário econômico é péssimo e o político está ainda pior. Falemos então de pessoas de bem que estão fazendo outro tipo de política: distantes de bilhões, de falcatruas, de mentiras e de fanfarronices... brasileiros criativos e inovadores, que batalham duro pelo seu pão de cada dia. E ainda o dividem e modificam a forma tradicional de exercer o poder político. Vamos lá.

Passe o hospital M'Boi Mirim e você está pertinho do Jardim Ângela e do Jardim Nakamura, onde se encontra a rua Miguel Dionísio do Vale, endereço até pouco tempo atrás conhecido por rua 2. E que, às vezes, se transforma no Samba na Dois. O Samba veio pelo encontro musical que ocorre frequentemente, com a participação de centenas de jovens, no meio daquela rua sem saída, na zona sul de São Paulo.

O convite para ir ao Samba na Dois, participar da gravação do primeiro LP da cantora Samanta Santos, da Águia de Ouro, veio pela família Moura, cujo filho Cláudio criou, há 27 anos, o Instituto Favela da Paz. À medida que as atividades musicais familiares aumentavam, seu Zé e dona Neli Moura fizeram "puxadinhos" na residência, hoje um predinho de sete andares.

Com shows pelo Brasil e no exterior, Cláudio coloca: "Fomos conhecendo projetos que davam chance para uma cena independente e resolvemos implantar aqui". Atualmente, recebem 400 bandas por mês, com espaço para ensaio e gravação em estúdio profissional. Gratuitamente.

Samanta gravou um show, na rua, com as janelas das casas com gente pendurada acompanhando o ritmo e com alegria por todos os lados!

Fui descobrindo outras atividades da turma, ainda mais surpreendentes: projeto de culinária sustentável, de reutilização da água, utilizada pelas sete famílias e bandas que lá circulam e o digestor (geringonça enorme) de biogás: "De um lado, introduzimos restos de comida e, do outro, sai o gás que usamos para cozinhar nossas refeições. Cozinhamos para 20 ou 30 pessoas por dia, gratuitamente".

A história dessa família, pelas ações culturais, pela capacidade de se apropriar de conteúdos e de produzir mudanças ambientais e de cidadania, tem tudo a ver com outras formas de fazer política e gerar transformações quase sem recursos, mas com forte empreendedorismo e generosidade. Viram essas experiências em diversos países, aplicaram em sua casa; ensinam aos vizinhos.

Temos de incorporar no processo de participação da sociedade essas mentes e ações "fora da casinha" para dar um salto diferenciado na representação popular no processo político. Entrementes, assistimos, estupefatos e indignados, às denúncias da Lava Jato, enquanto não perdemos a esperança de que dias melhores virão.


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