Folha de S. Paulo


Francisco

A Igreja Católica caminha: literalmente pelo mundo e na esperança renovada. Fiquei entusiasmada com um papa sul-americano humano e doce. Não tinha, porém, grandes expectativas de mudanças em relação às posições tradicionais da igreja.

Lembrei-me de quando eu, deputada, numa viagem de avião para Brasília, sentei lado a lado ao cardeal de São Paulo e trocamos ideias. Nunca esqueci o que ele me disse: "Se um dia for provado que a homossexualidade é genética, serão mais cem anos para a igreja aceitar".

O papa Francisco logo encantou o mundo pela sua humildade, por seu despojamento e pelas palavras simples. Podia-se sentir o interesse real pelo povo e a verdade na sua distância das vestes bordadas e do ouro. Mas daí a ser um estadista, interlocutor competente para a distensão entre EUA e Cuba e avançar na discussão em temas complexos, mesmo sem mexer em dogmas, exige-se, além de coragem, extraordinária habilidade.

Depois de muito tempo distante de seus fiéis, sem linguagem atual, com ritual cansado e afastada dos temas que interessam ao cotidiano das pessoas, com Francisco, a igreja acolhe e aos poucos vai tendo outra face. Como líder espiritual, antes de resistir às mudanças, tem agido no esforço por compreendê-las e, mesmo que não possa aceitar ou discutir tudo, tem insistido no diálogo. Ele imprimiu ritmo de urgência a problemas enfrentados pelas famílias contemporâneas, para as quais a igreja virava as costas.

"Manter diálogo significa crer que 'a outra parte' tem algo valioso a dizer. Dialogar não significa renunciar às nossas ideias, mas à pretensão de que são elas as únicas válidas", diz o pontífice.

O divórcio, barreira antes intransponível, tem uma revisão chegando aceleradamente. A Igreja Católica sinaliza para o sínodo, em outubro, acolher os divorciados e seus filhos. Não se falará em casamento gay ou em adoção por casais homossexuais. O que se pontuará é não discriminar. Impensável falar disso não faz tanto tempo.

As rápidas transformações que vivemos e as pregações do papa –que faz história num mundo cada vez mais complexo e questionador– mudam os peões do xadrez contemporâneo. Francisco, porém, não demonstra essa preocupação, mas, sim, uma clareza de quem está vivendo um processo e sabe aonde vai e o que terá que enfrentar.

As religiões estão por trás das grandes transformações, mas suas próprias transformações são muito mais difíceis. Vivemos um momento histórico. Não sabemos como será essa difícil caminhada, mas os primeiros passos já foram dados, de forma competente e destemida por Francisco, que já se consolidou como um grande líder e condutor dos tempos modernos.


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